domingo, 1 de setembro de 2013

Romulo Avelar - Cultura: Hora de pensar a cadeia produtiva como um todo.

Romulo Avelar.

Que a produção cultural brasileira vem ganhando uma nova dinâmica não é nenhuma novidade. As velhas fórmulas de sucesso levadas à exaustão pelas engrenagens da indústria cultural aos poucos cedem lugar a um modelo mais plural, em que se multiplicam oportunidades e se torna cada vez mais possível a emergência de iniciativas locais. A cultura ganha vigor, e não mais apenas nas grandes capitais. O crescimento e a descentralização dos recursos destinados ao setor são marcha sem volta.

Entretanto, se o momento é positivo e favorável ao surgimento de experiências bem-sucedidas pelos quatro cantos do país, a manutenção de grupos e entidades culturais e a continuidade de suas iniciativas continuam sendo enormes desafios para seus produtores e gestores. Os editais de financiamento se multiplicam, os recursos começam a irrigar a área e os resultados se tornam aos poucos mais visíveis, mas a profissionalização efetiva ainda é uma realidade distante da grande maioria daqueles que se aventuram por esse caminho. Os empreendedores culturais brasileiros vivem aos sobressaltos, obrigados a conviver com o fantasma da descontinuidade e com a incômoda sensação de “fim de linha” a cada resultado negativo de edital, a cada reunião de negociação de patrocínio frustrada. Como então explicar essa situação paradoxal, que combina indicadores positivos com sinais de forte instabilidade?

Uma primeira e óbvia resposta para esta questão está na maneira historicamente descuidada com que as instâncias públicas quase sempre trataram a cultura no Brasil. Está na ausência de políticas claras, na adoção de modelos concentradores e conservadores e na resistência dos governos, sejam eles de direita ou de esquerda, em considerá-la como área estratégica. Tudo isso aliado à própria desarticulação do meio, que teima em atuar de maneira fragmentada, pautado por diferenças e até mesmo por vaidades.

É claro que não se pode desconsiderar os avanços significativos que vêm ocorrendo, tanto na esfera das políticas quanto na representatividade dos profissionais da cultura. Os últimos anos foram de grandes articulações pela construção de um modelo mais justo e eficaz para o setor, num processo de amadurecimento que, embora não tenha a velocidade que desejaríamos, é claramente perceptível. No entanto, é necessário admitir que ainda são grandes os desafios a serem vencidos até que tenhamos melhores condições de trabalho nesse campo. Quanto mais se afasta dos grandes centros urbanos, maior a dificuldade daqueles que atuam na área em identificar um fio de meada para a costura de um trabalho mais profissional. A criação acontece com espontaneidade e, em muitos casos, com bastante originalidade, mas perde em força, com frequência, pela carência de referências técnicas e estéticas. Artistas, grupos e instituições culturais, alheios também a uma série de parâmetros básicos do campo da gestão, empreendem grandes esforços de criação e produção, mas com resultados muitas vezes frustrantes.

A cultura tropeça no amadorismo e na falta de informação, seja nas capitais ou no interior. Além disso, ressente-se pela fragilidade de alguns elos de sua cadeia produtiva. Definitivamente, não há como pensar em sustentabilidade para um setor obrigado a conviver com pontos vulneráveis e sempre prestes a se romper quando submetidos ao menor esforço. O pior é que boa parte daqueles que trabalham na área tem baixa percepção da urgência de se fortalecer tais pontos. No âmbito da cultura, ainda persiste certa tendência a visualizar apenas a área finalística, ou seja, os produtos finais e os responsáveis diretos por sua concepção. Essa ênfase excessiva naquilo que é levado aos olhos e ouvidos do público é até compreensível, na medida em que o trabalho de criação representa a própria essência do setor. No entanto, é imprescindível identificar e conferir o devido valor a outros elos menos visíveis, mas essenciais para a viabilização de carreiras sustentáveis e, em última instância, para a construção de um cenário cultural mais vigoroso no país.

Entre os elos notadamente fracos é possível citar a debilidade da infraestrutura cultural dos municípios brasileiros, a baixa qualidade de parte expressiva dos serviços prestados por fornecedores de toda sorte, a dificuldade para a formação de plateias, a desarticulação entre cultura e educação e a falta de canais adequados para a distribuição, em um país de dimensões continentais.  Apenas um olhar sobre tais fatores e seu enorme potencial de desestabilização é o bastante para que se compreenda o descompasso da cena brasileira.

Sem dúvida, as questões elencadas até aqui guardam enorme complexidade e demandam soluções imediatas do Poder Público, da própria classe e da sociedade como um todo. Entretanto, é preciso perceber que existe um aspecto ainda mais relevante e urgente nesse contexto. Um ponto vem recebendo tratamento inadequado no Brasil, a despeito de sua incrível capacidade de gerar impactos em toda a cadeia produtiva: a questão da capacitação. Viajando por esses interiores, é possível constatar a ocorrência de certa letargia motivada pela absoluta falta de conhecimentos nas diversas áreas do fazer artístico-cultural. Existem lacunas impressionantes na formação de artistas e técnicos, o que faz com que os resultados levados ao público tenham, muitas vezes, níveis colegiais.

No entanto, é nas áreas-meio que o problema se torna mais agudo. A carência de informações nos campos da produção e da gestão é algo preocupante. Grande parte das vezes, as iniciativas no mundo da cultura acontecem “na marra”, após longa peregrinação de seus executores em busca de recursos, passando o pires entre os empresários locais e recolhendo donativos classificados equivocadamente como patrocínios. O desconhecimento dos canais de financiamento, a falta de noções de como elaborar um projeto e a pouca habilidade para a captação são limites concretos a serem transpostos.

O amadorismo, porém, não se restringe aos procedimentos de busca dos recursos. A gestão dos projetos e do cotidiano das instituições também ocorre, muitas vezes, de maneira precária. Na verdade, os profissionais da cultura ainda não se apropriaram de uma série de ferramentas essenciais do campo da administração, como o planejamento estratégico, a gestão financeira, a logística e a gestão da qualidade, entre outras. O manejo adequado dessas ferramentas de gestão poderia significar um grande salto de qualidade para o meio, mas permanece como algo impensável para muitos daqueles que nele atuam. Um bom exemplo disso é a dificuldade que muitos artistas, produtores e gestores têm de trabalhar com planejamento, tanto de seus projetos quanto de sua própria carreira. Metodologias de planejamento estratégico, por exemplo, há muito presentes no ambiente empresarial, são praticamente estranhas à área. Este fato talvez explique a paralisia e a falta de rumos que afeta a vida de muitos grupos e entidades culturais brasileiros.

Talvez esteja aqui um dos grandes desafios das instâncias culturais públicas no Brasil, seja no plano federal, estadual ou municipal: formar gestores. Uma iniciativa de porte nesse sentido foi implementada com sucesso pelo Ministério da Cultura do México há alguns anos, mas permanece sem similar por aqui. Diante do despreparo que impera nos bastidores da cultura brasileira, é imprescindível que o Poder Público tome para si a responsabilidade por tal empreitada. As secretarias e fundações estaduais e municipais, assim como o próprio Ministério precisam acordar para esta necessidade premente. É importante que tenhamos profissionais tecnicamente capacitados para buscar os recursos, geri-los de maneira eficaz e ordenar o ambiente das organizações culturais, mas também devidamente sensibilizados para reconhecer e valorizar a riqueza presente à sua volta. Precisamos de pessoas aptas a desencadear pequenas revoluções em seu universo imediato, a captar, processar e difundir informações para o benefício de suas comunidades.

No processo de formação de gestores, outra premissa importante deve ser considerada: é necessário pensar a cultura numa perspectiva sustentável, como forma de combater o vício da eventualidade que impera entre nós. A vida dos artistas, grupos e instituições culturais ainda é regida por ações de caráter efêmero e, quando muito, por ciclos de trabalho anuais. A cultura no Brasil permanece limitada à dimensão do evento, do transitório. Muito pouco se fala de planejamentos plurianuais, de projetos de manutenção e de continuidade.

O próprio Ministério da Cultura demonstra dificuldades para o estabelecimento de práticas que favoreçam a sustentabilidade. Caminhando numa direção pouco razoável, trata os projetos de continuidade sem nenhuma distinção em relação àqueles voltados à produção de eventos. Em 2009, chegou ao ponto de lançar na rede um sistema para recebimento de projetos, o SalicWeb, sem prever rubricas adequadas a propostas de manutenção. Este problema vem sendo corrigido gradativamente pela equipe da Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura, mas deixa evidente a incipiência da discussão do tema nas esferas públicas.

Outro ponto que evidencia a falta de debates sobre um tema tão relevante é a insistência do Ministério em negar a aprovação de determinadas rubricas dos projetos sob a justificativa vaga de que se tratam de “despesas de responsabilidade do proponente”. Este procedimento obriga os artistas, grupos e entidades culturais a esgotarem suas reservas, inclusive aquelas provenientes de vendas de produtos e ingressos, ao final de cada ciclo anual. Os proponentes são pressionados a gastar com o projeto aprovado todos os recursos captados de outras fontes, diga-se de passagem, a duras penas, como se fosse pecado buscar alguma estabilidade financeira com a criação de um fundo de reserva.

Instabilidade maior, impossível, certo? Errado. A coisa pode ser ainda pior. O equívoco ganha proporções mais sérias quando nos deparamos com a existência de mecanismos de incentivo que, a pretexto de defesa do interesse público, impedem a comercialização de produtos realizados com os recursos repassados aos proponentes. Ao proceder dessa maneira, as secretarias de cultura condenam de vez os empreendedores a se tornarem escravos de tais mecanismos. Aos artistas contemplados por essas leis é negado o direito legítimo de buscar a consolidação de sua carreira por meio da venda direta de seus produtos ao público. Naturalmente, é fundamental que os governos estabeleçam regras que garantam a correta aplicação dos recursos e acessibilidade àquilo que foi produzido por intermédio dos instrumentos de financiamento. Entretanto, adotar procedimentos restritivos como esses, muitas vezes de forma descuidada, é neutralizar a intenção do incentivo à cultura e tratar o setor com um desrespeito que não encontra paralelos em outras áreas merecedoras de incentivos governamentais. Será que os produtores agrícolas beneficiados, por exemplo, aceitariam entregar sua produção gratuitamente à população e prosseguir na dependência total do Governo? Isso seria justo e produtivo?

Situações como essas expõem, mais uma vez, a fragilidade do elo capacitação. Por todo o país, é notável a carência de gestores públicos aptos a lidar com as engrenagens burocráticas, mas também capazes de avaliar previamente os impactos de suas decisões administrativas sobre o meio. Infelizmente, grande parte dos cargos-chave em nossas instâncias culturais públicas continua a ser ocupada por pessoas estranhas ao metier ou sem nenhuma experiência do outro lado do balcão. Isso sob os olhares resignados de uma classe desmobilizada.

O tom crítico dessas linhas, longe de se caracterizar como mais um manifesto ácido e pouco propositivo, visa trazer para a roda alguns pontos de vista sobre temas importantes para o universo cultural brasileiro.

A cultura é um direito constitucional do cidadão e precisa ser tratada como tal. Além disso, é um recurso econômico inesgotável, que pode render cada vez mais ao país. A consolidação do setor passa necessariamente por uma atuação responsável dos governos, por meio de investimentos na cadeia produtiva como um todo, e não apenas em seus elos mais visíveis. Há que se pensar mais seriamente em instrumentos e políticas que favoreçam a continuidade do trabalho de artistas, grupos e entidades por todo o país, e não apenas a proposição de ações efêmeras. Nesse sentido, é necessário buscar o rompimento de certas amarras burocráticas, de forma a permitir o financiamento a planos plurianuais de manutenção de entidades culturais de caráter relevante para a sociedade.

Entretanto, é na questão da formação que precisamos apostar a maior parte das nossas fichas. As discussões de políticas para a cultura ora em curso no Brasil somente resultarão em avanços significativos quando houver, nos municípios, pessoas conectadas com o mundo e, a partir de bases técnicas seguras, capacitadas para atuar pela transformação da realidade à sua volta.

Conhecendo mais um pouco sobre o autor:
ROMULO AVELAR.

Administrador, produtor e gestor cultural. Atuou em empresas como Fiat, MBR e Teatro Alterosa, e na área pública, como Diretor de Promoção da Fundação Clóvis Salgado – Palácio das Artes, de Belo Horizonte, e Presidente da Comissão Técnica de Análise de Projetos da Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais. Consultor de diversos grupos e entidades culturais, entre eles o Grupo Galpão e a Casa do Beco. Autor do livro “O Avesso da Cena: Notas sobre Produção e Gestão Cultural”. 

Vereador Fabio Câmara - Agora, a obrigação é ir até o fim.

Que ninguém tenha a infeliz ideia de chamar para uma mesma mesa os vereadores Fábio Câmara (PMDB), Isaias Pereirinha (PSL) e Astro de Ogum (PMN), pois fatalmente a reunião não terminará bem.

Durante a semana o vereador oposicionista soltou cobras e lagartos para cima dos dois “colegas” que integram a Mesa Diretora da Câmara Municipal e tudo pelo fato do legislativo municipal ter aprovado o REFAZ, encaminhado pela Prefeitura de São Luís.

Além de criticar publicamente os colegas, Fábio Câmara foi mais longe e na sua página de facebook insinuou que a Câmara de Vereadores teme qualquer tipo de transparência e que não resiste a uma simples auditoria.

“Se essa semana foi ruim para a imagem da Câmara de São Luís, com falta de credibilidade diante de votações encaminhadas pelo Executivo, a próxima pode reservar fatos piores para quem teme qualquer tipo de transparência e não resiste a uma simples auditoria”, escreveu nas redes sociais.

O Blog teve a informação que Fábio Câmara também já pensa em pedir informações mais detalhadas entre um contrato do legislativo municipal com o Bradesco, a ideia do oposicionista teria deixado alguns vereadores indignados.

Uma coisa é certa, para não perder a credibilidade, agora Fábio Câmara tem que ir até o fim e detalhar o que sabe, ou que pelo menos desconfia, pois caso contrário pode passar uma péssima impressão.

Com a palavra o vereador Fábio Câmara, a população de São Luís, principalmente a parte que o elegeu, espera por uma resposta.


FCface

Luzico - Perco mais um amigo pra violência que assola nosso Estado.




Luzico - descanse em Paz.

Somente ontem, fiquei sabendo que no último dia 26 de agosto faleceu o amigo LUZICO, pessoa de bem, que eu conhecia há mais de vinte anos, sempre que nos encontrávamos trocávamos ideia sobre cultura, reggae e como não podia deixar de ser política, ele era ligado politicamente ao Deputado Federal Pinto da Itamarati do PSDB. 

Nosso ponto de encontro frequente eram os Ferry's  nos finais de semana indo, ou vindo da baixada, onde o percurso sempre eram curtos pras nossas conversas... 

Lamento profundamente que uma pessoa batalhadora, tenha partido de forma tão abrupta, a seus familiares meus sinceros sentimentos, que Deus lhes dê força nestas horas difíceis.

Aqui faço um apelo a todos os integrantes da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Maranhão para que  identifiquem e prendam os assassinos, para que os mesmos paguem pelo crime que cometeram.

Aqui amigo Luzico registro esta humilde homenagem a você, descanse em paz amigo. 

Conheça o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2012.




A sexta edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública é lançada sob a égide de uma importante conquista no campo da segurança pública: a aprovação da Lei 12.681/2012, que cria o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e sobre Drogas – SINESP.
Nesse importante contexto político, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública se integra aos esforços pela construção de um debate qualificado sobre as reformas no campo da segurança pública no Brasil, trazendo insumos para análises em diferentes âmbitos desse campo, com dados sobre as ocorrências criminais, um panorama do sistema prisional brasileiro, dados sobre a evolução dos gastos com a área da segurança pública pela União e estados, um panorama sobre os efetivos e salários das forças policiais, além de textos de análise para subsidiar este debate.

FAÇA O DOWNLOAD DA EDIÇÃO COMPLETA:




O planejar no Brasil e os movimentos sociais.

1. O planejamento - Brevemente, pode-se dizer que o ato de planejar consiste em observar o passado e o presente para preparar-se para o futuro. Nessa avaliação do que já existe de evidência histórica, estabelecem-se relações de causa e consequência a fim de entender como se dão os processos analisados, sendo eles técnicos, econômicos, políticos, sociais, culturais ou ambientais. 

Desta maneira, assume-se um rumo a ser tomado composto por objetivos, metas e prazos e presume-se que ocorrerão determinados comportamentos (individuais, regionais, nacionais, governamentais, institucionais).

O planejamento é necessário em todas escalas, desde a individual à global, para que as tomadas de decisão tenham coerência entre si e levem à consecução de um objetivo que se julga acertado e legítimo. Agora, focando na gestão de instituições, estabelecer metas de curto, médio e longo prazos costuma ser uma prática positiva, afinal, nem sempre são as mesmas pessoas que ocupam os cargos (há rotatividade) e às vezes a perspectiva mais ampla se perde em detrimento das questões mais cotidianas. 

Sendo necessário então haver uma perspectiva de longo prazo nos planejamentos, é preciso também considerar que deverá haver aporte de recursos para que se alcance o que previamente se estabeleceu como desejo a ser perseguido.

Estes dois parágrafos precedentes apresentam uma visão simples e até determinista do planejamento, o que não é um problema se houver ciência de que o planejamento é um instrumento norteador, definidor e redefinidor das ações a serem efetivadas. 

Isto é, pode ser reajustado ao longo do tempo, desde que não se ajuste o tempo todo de forma que se faça o planejamento caminhar para a realidade presente, ao invés da realidade presente caminhar pelo planejamento. 

No setor público, torna-se ainda mais fundamental pois os cargos de tomada de grandes decisões sofrem periodicamente alterações – o que se é bom pelo lado de possibilitar a alternância de poder, por outro lado, dificulta a continuidade de políticas públicas.

Assim, o planejamento é um importante instrumento de gestão que não deve engessar, mas nortear a ação do poder público, especialmente se considerarmos que frequentemente encontra-se a dicotomia “recursos limitados x necessitadas ilimitadas”. 

Porém, é preciso ter em mente que o planejamento é intrinsecamente anacrônico, tal qual a cidade Fedora de Ítalo Calvino (2003) ilustra, é uma cristalização de desejos. E como não se pode afirmar nada sobre o futuro, apenas supor; quando o futuro chega é natural que o planejamento carregue um certo ar de arcaicidade.
No centro de Fedora, metrópole de pedra cinzenta, há um palácio de metal com uma esfera de vidro em cada cômodo. Dentro de cada esfera vê-se uma cidade azul que é o modelo para uma outra Fedora. São as formas que a cidade teria podido tomar se por uma razão ou por outra, não tivesse se tornado o que é atualmente, Em todas as épocas, alguém, vendo Fedora tal como era, havia imaginado um modo de transformá-la na cidade ideal, mas, enquanto construía o seu modelo em miniatura, Fedora já não era mais a mesma de antes e o que até ontem havia sido um possível futuro hoje não passava de um brinquedo numa esfera de vidro.
2. Planejamento burocrático e planejamento democrático - Já posta a importância do ato de planejar em si, é importante esclarecer que há várias formas de se planejar e que cada uma reflete seus pressupostos e concepções, levando a diferentes resultados. A seguir são abordados o planejamento burocrático e o democrático.

O planejamento burocrático calca-se em uma concepção de administração centralizadora que tem eco na economia planificada implantada na antiga União Soviética (LÖWY, 2009), uma referência “socialista”, e também é constatada na administração pública brasileira, uma referência de país capitalista. 

Ou seja, embora o planejamento burocrático reflita conceitos de centralização e  autoritarismo, não é necessariamente atrelado a um modelo econômico específico ou apenas ocorre onde não há rotatividade de  poder. Sua principal característica é a centralização em poucos atores, geralmente do governo[1], das tomadas de decisão em  relação aos rumos da nação. O processo decisório é verticalizado e não há garantias que demandas populares serão consideradas.

O planejamento democrático implica a previsão de ferramentas institucionais de gestão participativa. Isso significa que  cidadãos(ãs) são co-gestores na formulação e deliberação das diretrizes de políticas públicas, juntamente com o executivo e o  legislativo. 

A participação da sociedade a alça a um papel protagonista tornando seus membros responsáveis não só pelo próprio  futuro, individual, mas também pelo coletivo. Se o objetivo do planejamento é a antecipação de ações e ações são empreendidas por  alguém, é estratégico para seu sucesso envolver os alguens necessários tanto à adoção das medidas quanto afetados por elas.

Já existem alguns instrumentos como orçamentos participativo, audiências públicas, conselhos, conferências, referendo, iniciativa  popular e plebiscito além da utilização de meios digitais para promover participação. 

Alguns carecem de regulamentação ou mesmo  alteração da regulamentação existente para tornarem-se viáveis (como os referendos, iniciativas populares e plebiscitos[2]), outros  precisam precisam ser aprimorados como os conselhos, que não existem em diversos municípios, e as audiências públicas, cujos  resultados não exigem obrigatoriedade de serem considerados.

Constata-se então que no Brasil há iniciativas isoladas e movimentos institucionais mais sólidos também na migração de um planejamento burocrático para um participativo – o que não quer dizer que não tenha-se muito a avançar ainda na questão.

3. Celso Furtado e o planejamento brasileiro - É impossível falarmos de planejamento no Brasil e não falarmos de Celso Furtado e desenvolvimento nacional. Para Celso Furtado, fundador da escola econômica conhecida como estruturalismo, tem em sua teoria um grande ponto forte: “a economia brasileira e  suas estruturas são historicamente determinadas”. 

E assim como um país é um produto histórico, assim também é o homem, como ele próprio, um fruto de historicidades. Desta forma, foi um economista que floresceu numa época cujas preocupações eram o  crescimento econômico e o pleno emprego – colocando assim o Estado em papel determinante para atingir essas metas.

Na década de 1950 Furtado foi representante do Brasil na CEPAL[3], onde permaneceu por oito anos e teve contato com Raúl  Prebish, que distanciou-se das concepções hegemônicas dos economistas latino-americanos para elaborar a teoria do sistema centro-periferia. 

Portanto, influenciado tanto por Prebish como pelo keynesianismo e pelo marxismo, Furtado formula sua teoria  sobre desenvolvimento e subdesenvolvimento, título de seu livro publicado em 1961. Nessa obra, ele apresenta uma teoria do  desenvolvimento integrado e tece considerações sobre seus limites nos países subdesenvolvidos.

No contexto da CEPAL, Furtado fez parte do grupo Misto CEPAL-BNDE no biênio 1953-1954 cujos trabalhos subsidiaram o Plano  de Metas do governo JK, a primeira experiência de planejamento no Brasil – empreendida pelo Estado. 

Essa necessidade do  economista de entender o subdesenvolvimento brasileiro para superá-lo foi o que o motivou a, em 1959, criar a SUDENE[4] que  catalisaria as ações do planejamento regional do Nordeste brasileiro nos anos 1960. Saiu do país por causa da Ditadura Militar e retorna após a anistia, filiando-se ao PMDB em 1981 e fazendo parte da Comissão do Plano de Ação do governo de Tancredo Neves.

Percebe-se que o início da história de planejamento do Estado Brasileiro passa necessariamente pela de Celso Furtado. Para ele a intervenção estatal e o planejamento eram remédios necessários para a quebra do ciclo que mantém o Brasil no  subdesenvolvimento, na periferia do sistema. E se, no início tratou-se de um planejamento burocrático, centralizado em algumas  instituições com seus coordenadores e consultores, mais tarde permaneceu um paradigma pavimentador para um planejamento  regional democrático, como pode-se perceber pela instituição da nova SUDENE que vem apostando “no planejamento regional  participativo para impulsão do desenvolvimento nacional”.

4. Planejamento e os movimentos sociais - Apesar dos enormes aspectos positivos proporcionados pelo planejamento democrático, como as cooperativas agrícolas  conquistadas pelo movimento camponês brasileiro (MST) ou o bem-sucedido orçamento participativo em Porto Alegre, o foco nesta  seção será nas consequências negativas do planejamento verticalizado, centralizado e com parco diálogo entre governo e sociedade civil / movimentos sociais. 

O movimento de educação aponta como consequências da “ideologia autoritária de planejamento na educação pública, nas últimas décadas, as seguintes características” (SERPA, 2000):

• enfraquecimento da unidade escolar;

• desvalorização do professor;

• crescimento de quadros técnico-burocráticos nos diversos níveis de gestão da educação;

• desvinculação da unidade escolar pública da sociedade e consequente valorização da unidade escolar privada.

Para superação desses problemas aponta a necessidade de participação nos três níveis administrativos (municipal, estadual e federal) do poder público no que tange à educação pública, incluindo a formulação de planejamento estratégico[5].

Outro exemplo vem do movimento por transporte público. As recentes manifestações que ocorrem pelo Brasil desde 18 de fevereiro[6] foram inicialmente convocadas pelo MPL (Movimento Passe Livre). Trata-se de um movimento nacional que luta por transporte público e que tem como “uma das principais bandeiras a migração do sistema de transporte privado para um sistema público, garantindo o acesso universal através do passe livre para todas as camadas da população”.

Independentemente da exequibilidade ou não da proposta do movimento, o eco que houve na população paulistana por conta do aumento da tarifa de R$3,00 para R$3,20 foi impressionante. 

Acompanhando a movimentação nas redes sociais é recorrente a seguinte frase “não é (só) por causa de 20 centavos que estou indo lá” complementada por uma série de relatos de desrespeito de direitos que deveriam ser minimamente assegurados pelo Estado e não são. 

Mas daí a haver uma mobilização de milhares[7] de pessoas nas ruas antes das 18h (fim do expediente de trabalho) há um caminho que foi percorrido. Ou melhor, não há canais suficientes, ou suficientemente legítimos de diálogo e participação da população, que precisa lançar mão de arriscar sua segurança[8] para que simplesmente seja ouvido que estão insatisfeitos.

5. Conclusão - Bastante se discutiu sobre planejamento burocrático ou democrático e um ponto fundamental é a existência de mecanismo de controle do plano a todos os níveis – local, regional, nacional, continental e, até internacional[9] – por parte da população, organizada em movimentos sociais ou ONGs, ou não. 

Não se trata de abolir uma hierarquia no planejamento, assim como não se defende aqui abolir a democracia representativa. Trata-se de entender a complementaridade que a participação exerce no planejamento corrigindo vácuos de diálogo e legitimidade, fortalecendo a democracia como um todo, inclusive porque o planejamento democrático é corolário do próprio Estado Democrático de Direito consignado na Constituição Federal Brasileira.
São interessantes diretrizes para um planejamento democrático:

• considerar ao menos os três níveis intra-nacionais de governo;

• construir a agenda de forma ampla e participativa, abarcado necessariamente dimensões sociais, culturais, políticas e ambientais;

• garantir canais permanentes de comunicação entre governo e sociedade, de forma a manter processos contínuos e envolventes;

• fomentar debate e munir de informações precisas a população;

• garantir poder de deliberação nos processos de planejamento.

Vale lembrar que um planejamento bem sucedido depende do engajamento de todos atores sociais envolvidos, então um planejamento democrático não apenas intensifica a democracia, como torna todo o processo mais eficaz, dado que pessoas e instituições dispostas a colaborar muitas vezes são a diferença entre um bom plano acontecer ou não.

6. Referências bibliográficas.

CALVINO, I. “As Cidades Invisíveis”, São Paulo: Folha de São Paulo, 2003. pp.16 Disponível em: http://www.marcodejacob.com/uploads/1/6/2/6/16264412/italo-calvino-as-cidades-invisiveis.pdf

GUIMARÃES, J., “As culturas brasileiras da participação democrática”. In: AVRITZER, L. (Org.) A Participação em São Paulo. São Paulo: UNESP, 2005.

GUIMARÃES, Juarez. “A trajetória intelectual de Celso Furtado”. In: TAVARES, Maria da Conceição (Org). Celso Furtado e o Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000. pp.15-32. Disponível em: http://www.fpa.org.br/uploads/Celso_Furtado_e_o_Brasil.pdf

GUIMARÃES, Juarez. A construção de um novo paradigma. 

Mimeo LÖWY, M. “Ecossocialismo e planejamento democrático”, In: Crítica Marxista, n.28, 2009. pp.35-50. Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/artigo164Artigo3.pdf

VIERA, F.L. R., “Celso Furtado, pensador do Brasil”. In: CONCEITOS, Julho de 2004 I Julho de 2005.

SERPA, L. F. P. “O Paradigma de Anísio Teixeira: Uma Educação para um Estado Democrático”, 2000. Disponível em: http://www.bvanisioteixeira.ufba.br/livro6/paradigma_at.html

SINGER, P. Introdução à Economia Solidária. Disponível em: http://www.incoop.ufscar.br/Links/textos/paul-singer-2002-fundamentos.

Notas:

[1] Geralmente porque muitas vezes os governos eleitos acabam tendo grande intersecção com grandes grupos econômicos que explicitamente participam de ações de entes do governo, como pode ser constatado no episódio do lobby da Casa Civil (http://www.dgabc.com.br/Noticia/209818/-lobby-causa-desconforto-diz-chinaglia?referencia=buscas-lista) ou no da aprovação da MP dos Portos (http://colunistas.ig.com.br/poderonline/2013/05/27/camara-quer-restringir-entrada-de-lobistas-no-plenario/)

[2] Campanha em Defesa da Democracia e da República: http://www.adocontb.org.br/index.php?codwebsite=&codpagina=00014286



[5] O Plano Nacional de Educação (PNE) é fruto de grande debate nacional, mas não há comprometimento do governo em seu cumprimento nem mecanismo que vise assegurar isso. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&id=16478&Itemid=1107

[6] Protestos contra o aumento das tarifas de transporte público no Brasil: http://pt.wikipedia.org/wiki/Protestos_contra_o_aumento_das_tarifas_de_transporte_público_no_Brasil_em_2013

[7] Para a manifestação de 17/junho/2013 houve mais de 190mil pessoas confirmadas no evento do Facebook.

[8] 24 Momentos dos protestos em São Paulo que você não verá na TV: http://www.melhorquebacon.com/24-momentos-protesto-sao-paulo/

[9] O âmbito internacional se justifica principalmente nas questões ambientais já que, por exemplo, desequilíbrio de ecossistemas e aquecimento global não respeitam fronteiras administrativas.

 

Deu no 247 - Globo se desculpa pelo passado. Mas e o presente?

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Foto - Brasil 247.

Em editorial histórico, jornal O Globo reconhece que errou ao apoiar o golpe militar de 1964, mas diz que outros veículos de comunicação, como Folha e Estado, fizeram o mesmo; mea culpa acontece um dia depois de a emissora ser alvo de um protesto violento de Black Blocs, que atiraram esterco na emissora; ao longo de sua história, Roberto Marinho andou de mãos dadas com os generais, como na foto com João Batista Figueiredo; será mesmo que a Globo se arrependeu ou são lobos que se vestem de cordeiros para aplacar a fúria das ruas?

31 de Agosto de 2013 às 21:58.