segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Fraternidade: biomas brasileiros e defesa da vida.



Frei Marcos Sassatelli
24/02/2017.

Cul­tivar e guardar a cri­ação (Gê­nesis 2,15).  
Há 12 anos, em 16 de fe­ve­reiro de 2005, cerca de 14 mil pes­soas foram bru­tal­mente des­pe­jadas da Ocu­pação “Sonho Real”, no Parque Oeste In­dus­trial, em Goi­ânia, através das Ope­ra­ções Cri­mi­nosas - cí­nica e mal­do­sa­mente cha­madas - “In­qui­e­tação” e “Triunfo”.    
Apre­sen­tando a Cam­panha da Fra­ter­ni­dade 2017, não posso deixar de fazer, mais uma vez, a me­mória desse fato, que con­si­dero o maior pe­cado contra a fra­ter­ni­dade de toda a his­tória de Goi­ânia.
É di­fícil acre­ditar que seres hu­manos - em nome do deus di­nheiro (ga­nância fi­nan­ceira e es­pe­cu­lação imo­bi­liária) - possam chegar a pra­ticar ta­manha bar­bárie e com tanta cru­el­dade! 

In­fe­liz­mente, as au­to­ri­dades res­pon­sá­veis pelas Ope­ra­ções “In­qui­e­tação” e “Triunfo” - ver­da­deiras ope­ra­ções na­zistas de guerra - con­ti­nuam im­punes até hoje. A Jus­tiça de Deus tarda, mas não falha, que aguardem.   
A Cam­panha da Fra­ter­ni­dade deste ano tem como tema “Fra­ter­ni­dade: bi­omas bra­si­leiros e de­fesa da vida” e como lema “Cul­tivar e guardar a cri­ação” (Gê­nesis 2,15).
O ob­je­tivo geral é: “cuidar da cri­ação, de modo es­pe­cial dos bi­omas bra­si­leiros, dons de Deus, e pro­mover re­la­ções fra­ternas com a vida e a cul­tura dos povos, à luz do Evan­gelho”.
  
Os ob­je­tivos es­pe­cí­ficos são:

1.    “Apro­fundar o co­nhe­ci­mento de cada bioma, de suas be­lezas, de seus sig­ni­fi­cados e im­por­tância para a vida no pla­neta, par­ti­cu­lar­mente para o povo bra­si­leiro.

2.    Co­nhecer me­lhor e nos com­pro­meter com as po­pu­la­ções ori­gi­ná­rias, re­co­nhecer seus di­reitos, sua per­tença ao povo bra­si­leiro, res­pei­tando sua his­tória, suas cul­turas, seus ter­ri­tó­rios e seu modo es­pe­cí­fico de viver.

3.    Re­forçar o com­pro­misso com a bi­o­di­ver­si­dade, os solos, as águas, nossas pai­sa­gens e o clima va­riado e rico que abrange o cha­mado ter­ri­tório bra­si­leiro.

4.    Com­pre­ender o im­pacto das grandes con­cen­tra­ções po­pu­la­ci­o­nais sobre o bioma em que se in­sere.

5.    Manter a ar­ti­cu­lação com ou­tras igrejas, or­ga­ni­za­ções da so­ci­e­dade civil, cen­tros de pes­quisa e todas as pes­soas de boa von­tade que querem a pre­ser­vação das ri­quezas na­tu­rais e o bem-estar do povo bra­si­leiro.

6.    Com­pro­meter as au­to­ri­dades pú­blicas para as­sumir a res­pon­sa­bi­li­dade sobre o meio am­bi­ente e a de­fesa desses povos.

7.    Con­tri­buir para a cons­trução de um novo pa­ra­digma econô­mico eco­ló­gico, que atenda às ne­ces­si­dades de todas as pes­soas e fa­mí­lias, res­pei­tando a na­tu­reza.

8.    Com­pre­ender o de­safio da con­versão eco­ló­gica a que nos chama o nosso Papa Fran­cisco na carta en­cí­clica Lau­dato Si e sua re­lação com o es­pí­rito qua­resmal” (Texto-Base, 10).

Um bioma é "um con­junto de vida (ve­getal e animal) de­fi­nida pelo agru­pa­mento de tipos de ve­ge­tação con­tí­guos e iden­ti­fi­cá­veis em es­cala re­gi­onal, com con­di­ções ge­o­cli­má­ticas si­mi­lares e his­tória com­par­ti­lhada de mu­danças, re­sul­tando em uma di­ver­si­dade bi­o­ló­gica pró­pria" (Ins­ti­tuto Bra­si­leiro de Ge­o­grafia e Es­ta­tís­tica - IBGE. Mapa de Bi­omas e Ve­ge­tação, 2004).

Em ou­tras pa­la­vras, um bioma é uma grande área de vida for­mada por um con­junto de ecos­sis­temas com ca­rac­te­rís­ticas se­me­lhantes.

No Brasil temos seis bi­omas: a Mata Atlân­tica, a Amazônia, o Cer­rado, o Pan­tanal, a Ca­a­tinga e o Pampa. Nesses bi­omas vivem pes­soas e povos, que são o re­sul­tado da mis­ci­ge­nação bra­si­leira.

O Papa Fran­cisco propõe uma eco­logia in­te­gral, “en­tre­la­çando todas as di­men­sões do ser hu­mano com a na­tu­reza. Para ele, cada cri­a­tura tem sua men­sagem, que pre­cisa ser res­pei­tada e en­ten­dida. Mas todas elas estão in­ter­li­gadas. Toda a Lau­dato Si é um hino de es­panto ma­ra­vi­lhado di­ante da na­tu­reza criada que nos fala de Deus, que é um dom de Deus, da qual nós seres hu­manos somos parte in­te­grante, mas também seus ze­la­dores e cul­ti­va­dores”.

Fran­cisco nos co­loca também di­ante dos “de­sa­fios co­los­sais en­fren­tados pela hu­ma­ni­dade, que está em uma ver­da­deira en­cru­zi­lhada, em uma mu­dança de época”.

“As Igrejas par­ti­cu­lares, Co­mu­ni­dades Ecle­siais de Base, Pas­to­rais So­ciais, Se­manas So­ciais Bra­si­leiras, Fó­runs das Pas­to­rais So­ciais, o Grito dos Ex­cluídos, muitos se apro­xi­maram do nosso povo para de­fender seus di­reitos e para pro­mover a con­vi­vência harmô­nica com o meio am­bi­ente em todo o Brasil” (Texto-Base, 8 e 9)

Os cris­tãos e cristãs e todas as pes­soas de boa von­tade pre­cisam ser uma voz pro­fé­tica que - com cons­ci­ência crí­tica - chama a atenção para os de­sa­fios e pro­blemas da questão eco­ló­gica, aponta suas causas e, so­bre­tudo, in­dica ca­mi­nhos para sua su­pe­ração.

A Cam­panha da Fra­ter­ni­dade 2017 nos ajuda a en­tender mais pro­fun­da­mente o sen­tido da Qua­resma, que é um tempo forte de mu­dança de vida e de pre­pa­ração para a Páscoa: pas­sagem para a Vida Nova em Cristo, vida de amor ver­da­deiro, ba­seado na gra­tui­dade e na busca de ra­di­ca­li­dade. Sem esse amor ver­da­deiro não há Fra­ter­ni­dade (ou Ir­man­dade). Me­di­temos e Oremos!

Oração da CF 2017:

Deus, nosso Pai e Se­nhor, nós vos lou­vamos e ben­di­zemos, por vossa in­fi­nita bon­dade. Cri­astes o uni­verso com sa­be­doria e o en­tre­gastes em nossas frá­geis mãos para que dele cui­demos com ca­rinho e amor. Ajudai-nos a ser res­pon­sá­veis e ze­losos pela Casa Comum.

Cresça em nosso imenso Brasil o de­sejo e o em­penho de cuidar mais e mais da vida das pes­soas e da be­leza e ri­queza da cri­ação, ali­men­tando o sonho do novo céu e da nova terra que pro­me­testes. Amém!

Leiam o Texto-Base da Cam­panha da Fra­ter­ni­dade 2017. Edi­ções CNBB.

Espirito Santo. Justiça Militar decreta prisão de ex-deputado e aliado de Bolsonaro.

Imagem relacionada
Foto - Capitão Assumção.
A Justiça Militar do Espírito Santo decretou, a pedido do Ministério Público Estadual, a prisão de quatro policiais por envolvimento no motim dos policiais militares do Estado. 

Eles são acusados de incitar o movimento e de aliciamento de outros policiais com a divulgação de áudios e vídeos em redes sociais.

Um deles é o militar da reserva conhecido como capitão Assumção, que está foragido.

Ex-deputado federal, Assumção é citado em vídeo do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) divulgado nas redes durante a greve. 

Nele, Bolsonaro critica o governo do Estado, defende a polícia, alerta para a possibilidade de o movimento se espalhar para outros estados e faz propaganda do nome do Capitão Assumção, que, segundo aliados, almeja voltar à Câmara em 2018.

‘Quando um governo mexe no Carnaval, ele está mexendo com a cidadania de quem vive na periferia’.

Carmela Grune tem dois livros publicados sobre a relação entre samba, carnaval e direitos
 | Foto: Divulgação
Fernanda Canofre
Em 2011, quando Carmela Grüne apresentou sua dissertação de mestrado em Direito, na Universidade de Santa Cruz do Sul, ela comemorou mais do que o fato de seu trabalho ter sido o único publicado naquele ano. Depois de anos de pesquisa, quando chegou diante da banca avaliadora com o trabalho intitulado “Perspectivas democrático-deliberativas da gestão pública: a experiência da Escola de Samba da Mangueira”, Carmela estava fazendo uma declaração. Ao transformar as experiências de democracia participativa empregadas por uma escola de samba, em uma dissertação, ela colocava em prática uma de suas grandes causas: a popularização do Direito.
Trazer o tema para dentro da academia não foi fácil, segundo ela. Mas a pesquisa com a Mangueira, do Rio de Janeiro, levou a publicação de um livro – Participação Cidadã na Gestão Pública: a experiência da Escola de Samba de Mangueira – e de uma coleção de artigos organizada por ela, seguindo na mesma linha – Samba no Pé & Direito na Cabeça. Carioca da gema, apesar de ter sido criada no Rio Grande do Sul, Carmela puxou o samba como ferramenta para se falar de direitos no país.
Advogada, ativista, escritora e jornalista, Carmela já recebeu diversos prêmios por seu trabalho junto a presos do Presídio Central de Porto Alegre, com o projeto Direito no Cárcere e com o jornal Estado de Direito. Mas em tempos de Carnaval, é para as escolas que ela volta os olhos nesta entrevista ao Sul21. 
“Tem muitas pessoas que vivem aquele momento do Carnaval, mas muito além desse estereótipo de pão e circo, de confraternizar três, quatro dias de Carnaval, tem todo o trabalho da escola que é feito durante o ano de envolvimento da comunidade e de criar perspectivas profissionais e de vínculo para que se reduza a violência”, analisa ela.
Em ano em que desfiles, blocos e manifestações cantam “Fora, Temer”, uma escola de samba é atacada pelo agronegócio por debater agrotóxicos e direitos indígenas e marchinhas racistas e machistas são deixadas de lado, samba e política no Brasil, como há tempos não se via, voltaram a sair no mesmo bloco.
“A gente tem que poder utilizar essas linguagens universais como a música e o samba, que vem trabalhando toda uma questão de identidade democrática brasileira, para mostrar que ali se fala sobre o Direito” | Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Sul21: Como começou teu interesse por estudar a ligação entre Direito e o Samba, através do Carnaval?
Carmela Grüne: Eu sempre me interessei pela cultura popular, desde que eu comecei a estudar o Direito, porque eu encontro ainda uma cultura judicializada dos direitos. As pessoas ainda confundem o acesso à Justiça ao acesso ao Judiciário. De que maneira eu poderia fazer as pessoas enxergar que o acesso à Justiça vai além do acesso ao Judiciário? É com acesso ao conhecimento. Para isso, a gente tem que poder utilizar essas linguagens universais como a música e o samba, que vem trabalhando toda uma questão de identidade democrática brasileira, para mostrar que ali se fala sobre o Direito. Ali eu posso falar sobre a violência doméstica, sobre o direito do trabalho, sobre o direito homoafetivo, sobra afrodescendência, sobre questão de territórios. Uma série de direitos e garantias que são violados. Às vezes, as pessoas ouvem, mas não escutam. As pessoas conhecem a lei, mas não aplicam. O que falta para criar uma cultura que as pessoas se empoderem e comecem a cobrar os seus direitos? Para que as pessoas tenham comportamentos diferentes? Precisam ser criados mecanismos de políticas públicas que geram novos comportamentos para que essa lei tenha uma aplicabilidade. Não uma aplicabilidade restritiva de direitos, mas de empoderamento positivo, mostrando que se ela souber que tem que ter uma postura mais ativa diante de um problema.
Sul21: Como o samba entra nisso?
Carmela: Eu sou carioca, apesar de ter vindo muito jovem para cá, sempre tive uma ligação afetiva muito forte com o Rio. Dentro da perspectiva do livro – da Participação da Gestão Cidadã, que fala sobre a [Estação Primeira de] Mangueira – a gente faz um histórico de dados do samba, mas a gente não se restringe à questão legal. Meu interesse surgiu da minha raiz mesmo. Nesse livro eu trato um pouco disso, do primeiro samba que foi gravado, quem eram os artistas, onde eles se reuniam. Com o Samba no Pé, nós nos preocupamos em trabalhar as questões temáticas, para apresentar para o público leitor que ele pode, a partir de uma letra de samba, conseguir enxergar a mulher, a identidade, a corrupção, nesse aspecto.
“Temos músicas que colaboram para que haja empoderamento das pessoas” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21/Arquivo




















Sul21: Sempre existiu o samba com preocupação social.
Carmela: Eu acredito que sim, como em outras áreas da música, a gente tem músicas que são mais descompromissados com conteúdo social, de ativismo, mas ainda temos músicas que colaboram para que haja empoderamento das pessoas. Mesmo que seja num diálogo onde parece que [o personagem] está conversando com um “bandido”. Você roubou tanto dinheiro meu/ Agora vem querendo me prender/E eu te avisei você não se escondeu/ Deu no que deu e a gente tá aqui / Pedindo a Deus pro corpo resistir/ Será que Ele tá afim de ouvir? Eles estão mal, tomaram tiro, é o policial e o traficante discutindo sobre a situação. É que o Judiciário tá todo comprado / E o legislativo tá financiado / E o pobre operário que joga seu voto no lixo/ Não sei se por raiva ou só por capricho. São músicas muito fortes, mas talvez elas precisem ter um olhar mais atento.
Sul21: Este ano tem se discutido muito a questão do politicamente correto nas marchinhas do Carnaval, várias delas foram abandonadas pelos blocos por carregarem uma mensagem machista, racista. O que tu achas disso?
Carmela: Eu acredito que a gente está, graças a internet, vivendo um momento de afirmação de direitos e a mulher está conseguindo ganhar uma plataforma de expressão dos momentos e das situações que ela vive de discriminação. Seja dentro do Carnaval, seja dentro de casa, seja no trabalho, seja uma mulher negra, uma branca, uma mãe. A gente tem que cuidar muito, não digo que é o politicamente correto, mas que aquilo que a gente quer passar na nossa alegria tem que respeitar o direito do outro. Não é à toa que a gente ainda tem muitas mulheres vítimas de violência. A gente precisa reduzir essa cultura que mata muitas mulheres todos os dias e, com certeza, se a gente estimular que a mulher seja um objeto utilitário, um objeto de consumo, como fazem as propagandas de cerveja, a gente não está valorizando nosso papel enquanto membros de uma sociedade. A gente além de gerar uma criança, a gente cuida dessa criança, a gente trabalha, a gente tem que estudar e ainda ouve, nas seleções de doutorado, se tu vai conseguir dar conta de estudar. Como foi meu caso, em uma prova de doutorado que eu participei, enquanto estava grávida, que me perguntaram se eu conseguiria conciliar a atividade acadêmica com ser mãe. Essa pergunta se faz para um homem? Eu poderia ter anulado aquele concurso, mas na época, fiquei tão revoltada, que não assimilei isso. Hoje a gente tem mecanismos e precisamos nos empoderar mais da situação.
“As pessoas não esperam mais apenas o Carnaval das Escolas, mas estão fazendo um movimento próprio. Estão conseguindo colocar em prática de que eu posso ser um agente transformador da realidade” | Foto: Maia Rubim/Sul21












Sul21: Te pergunto também no sentido de que as mensagens que são passadas pelas marchinhas são, de alguma maneira, sempre políticas. Tu concordas? Tu conseguistes ver isso na tua pesquisa?
Carmela: Com certeza, eu elevo isso na pesquisa. Minha dissertação de mestrado eleva o papel do samba nesse processo de desencadear a participação espontânea dentro da democracia. Se a gente consegue desencadear movimentos não só para que as pessoas se contagiem pela alegria, mas para que elas tenham consciência de seus direitos, ela tem um fator fundamental. Eu nomeio o samba como elemento da identidade democrática brasileira. Ele é um instrumento capaz de gerar modificação de comportamento, de cultura, de valores, para isso, a gente tem essas manifestações que estão mais democráticas, estão nas ruas. As pessoas não esperam mais apenas o Carnaval das Escolas, mas estão fazendo um movimento próprio. Estão conseguindo colocar em prática de que eu posso ser um agente transformador da realidade.
Se eu falar do Samba no Pé, Direito na Cabeça, tem um samba-enredo, sobre Os Sertõesque fala muito sobre a questão do nordeste e a questão ambiental do nordeste. Esse livro não se restringe a marchas de Carnaval, por exemplo, se eu pegar um samba da Alcione em que ela fala: Comigo não violão/ na cara que mamãe beijou/ “Zé Ruela” nenhum bota a mão/ Se tentar me bater/ Vai se arrepender. Isso já é um samba sobre as consequências de o homem bater nela, “eu te passo a Maria da Penha” Ou o Samba da Mais-Valia, que não é tão conhecido, mas fala sobre o capitalismo selvagem. Síntese de muitas determinações/ A realidade social é feita de contradiçõesTodos eles têm algo a dizer.
Sul21: E o poder das escolas de samba de pautar debate com os temas que trazem para a avenida? Vimos isso este ano com a polêmica do samba-enredo da Imperatriz Leopoldinense, sobre os povos do Xingú, e a reação do agronegócio e seus representantes. 
Carmela: Eu acho que, infelizmente, as escolas de samba têm esse poder, mas elas não têm o poder financeiro para poder optar em dar foco apenas ao debate político. Justamente por essa questão de ter que depender de patrocinadores para manter toda uma questão estrutural que é muito cara. Se tivesse, por exemplo, um apoio do Estado, para que houvesse essa autonomia das escolas, ou fundo, a partir de impostos, que fosse destinado para que essas escolas tivessem um X mínimo para poder trabalhar, talvez elas tivessem mais autonomia hoje. Mas tudo que a escola de samba puder colocar de reivindicação, de contrariedade com o discurso do governo, com certeza vai ferir interesse daqueles que não estão preocupados com fim do desmatamento, com a privatização da água, isso sempre vai incomodar. E se o governo não for o principal agente para financiar esse tipo de ação, que deve ser uma ação pautada pela autonomia das escolas para tratar, justamente, das questões históricas, que marcaram essa trajetória, vai haver essa dependência do setor privado, para poder manter um sonho. A gente lamenta quando acontece esse tipo de situação, mas tem que estar atento, porque se não formos nós a reivindicar esses recursos, a pautar isso dentro das Assembleias, mostrar que que atrás de um período de Carnaval há toda uma estrutura de estudo do samba-enredo, há uma votação que acontece, que por várias semanas é discutido aquele samba dentro das escolas.
“Quando um governo pensa que a alternativa mais fácil é mexer no Carnaval, ele está mexendo com a fragilidade desses indivíduos (que vivem na periferia)” | Foto: Guilherme Santos/Sul21
Sul21: Tu falastes agora sobre o papel das políticas públicas e do Estado. Porém, em época de crise, sempre são populares as medidas que anunciam corte no Carnaval pelo poder Executivo. Essa visão sobre o Carnaval  sempre como algo supérfluo, que impacto tem isso no geral?
Carmela: O primeiro impacto é na cidadania fragilizada daquele indivíduo que mora na periferia e que, às vezes tem como lugar de lazer e sua segunda casa uma escola de samba. Então, aqui em Porto Alegre, eu visito a Estado Maior da Restinga, e a gente vê que ali eles têm uma baita estrutura e que se houvesse apoio para desenvolver atividades ali, toda uma população seria atendida. Então, em primeiro lugar, quando um governo pensa que a alternativa mais fácil é mexer no Carnaval, ele está mexendo com a fragilidade desses indivíduos, ele está desmerecendo todo o contexto histórico de onde surgiu o Carnaval, toda a voz que as pessoas tem a partir dessas canções que são manifestadas e está colaborando para a violência e para o aumento da criminalidade. Porque se tu não investe na cultura, não investe no Carnaval, o que essas pessoas que são da periferia, que veem esses centros comunitários, como são as escolas, como centros de cultura, de identidade e lazer, vão acabar fazendo? Outras alternativas que fogem da alçada lícita. Governo, prefeito, precisa olhar que se não trabalhar cultura, vai perder pra violência. No outro final de semana a gente teve 35 mortes, isso já é um dado concreto do quanto falta…São pessoas jovens que estão morrendo. O quanto falta o governo acreditar e fazer por essa população.
Sul21: Pode falar mais sobre a participação popular que existia na Estação Primeira de Mangueira e que foi o objeto do teu estudo?
Carmela: A gente pode ver como eles criaram grupos para melhorar a questão da deliberação dentro da escola. Depois disso, a partir dos projetos sociais, sejam eles “Mangueira do Amanhã”, a questão dos projetos ligados ao ballet, ao futebol, cursos de informática, é sempre muito no sentido de dar prioridade ao jovem que frequente o colégio, que comprove necessidade. Eles têm um consenso quando fazem a seleção, pelo menos na época, que priorizava esse estudante que era menos favorecido e que apresentava frequência na escola, para mostrar que ele não estava fazendo só uma atividade que iria trabalhar emoções, raciocínio lógico, concentração. Acho que a Mangueira conseguiu ser uma referência daquilo que outras escolas podem estar projetando para dentro do seu espaço social.
“O samba, ele não está na universidade, mas ele dá uma plataforma de expressão para essa pessoa reivindicar um direito” | Foto: Sul21/Arquivo
Sul21: No teu trabalho tu defendes também a criação de uma perspectiva diferente daquilo que tu chamas de “judicialização da vida”. Pode explicar melhor esse conceito?
Carmela: A judicialização da vida é criar um McDonald’s Feliz do Judiciário. Não sei se ainda fazem isso, mas teve um época que levavam crianças aos tribunais mostrando que o acesso à justiça é via Judiciário. Eu acho que o Judiciário tem muito mais recurso, poderia mostrar à população muito mais sobre direitos, para que ela não precisasse ir até os tribunais. Seja pelo Procon, seja por multa, seja por outros órgãos que podem fiscalizar, se a gente tivesse um apoio maior do Judiciário para essa cultura – que até podem alegar que não é competência deles – eu acho que se a gente trabalha com demandas que ficam muitos anos dentro do Judiciário, isso não está se proporcionando fazer a justiça num tempo razoável. As pessoas, às vezes, ficam presas durante anos, pagando por uma situação que poderia estar sendo resolvida de outro jeito. Eu acho que é toda uma junção: do papel do Estado, em proporcionar que a cultura popular seja um instrumento de levar o acesso à justiça de outras maneiras, o empoderamento dessa cultura e desses valores, como também o Judiciário de proporcionar que não se venda a ideia do acesso à justiça, como um McLanche Feliz, como uma solução total e mais rápida para se levar aos direitos. Nossa grande preocupação enquanto advogados, enquanto juristas é levar as pessoas a resolver conflitos de uma maneira menos judicializada possível.
Segurança pública está ligada ao espaço, se o espaço não tem utilidade, seja ele um presídio, um abrigo, uma comunidade, ele vai estar propenso a uma ociosidade | Foto: Divulgação
Sul21: O que poderia ser feito para que isso começasse a mudar?
Carmela: Direito tem que ser trabalhado com políticas públicas. E as políticas públicas, primeira coisa que tem ser feita é dar visibilidade a essas populações. Não só a visibilidade em qualquer situação, mas dando suporte com professores, psicólogos, especialistas, para que essa juventude que está aí também possa conseguir expressar o que ela pensa. Porque se ela sofre violência dentro de casa, pode ser uma criança ou um adolescente mais quieto, porque não vai conseguir se expressar direito. A gente tem que, não digo desconstruir, nem fazer uma revolução, mas como diz um artista, tem que tentar resolver os problemas que a gente tem integrando setores, não trabalhando de forma isolada. Segurança pública está ligada ao espaço, se o espaço não tem utilidade, seja ele um presídio, um abrigo, uma comunidade, ele vai estar propenso a uma ociosidade ou atividade ilegal, que pode gerar renda e pode proporcionar aquele adolescente os produtos que ele sempre quis ter.

Sul21: O Carnaval sempre teve a possibilidade de ser algo político. No Uruguai, por exemplo, as apresentações das purgas carnavalescas sempre puxaram debates e críticas à classe política do país. Num momento político quente, como o que vivemos agora, isso pode ser reforçado por aqui?
Carmela: Eu acho que está servindo para isso. As pessoas querem “Fora, Temer”, elas não estão satisfeitas com a atual política de governo, nem com a anterior, com a questão da corrupção. Do jeito que está, não está bom. Estamos tendo muitos direitos humanos violados, estamos tendo projetos importantes de acesso à universidades, a questão do ensino médio, da História, como um adolescente vai fazer sem ter essa cadeira como obrigatória? Cada vez mais o funil de acesso ao ensino superior parece distante do jovem da periferia. Com certeza, o samba, ele não está na universidade, mas ele dá uma plataforma de expressão para essa pessoa reivindicar um direito e com a internet, isso viraliza nas redes sociais.

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Brasilia. Deputado se aposenta depois de apenas dois anos de mandato.


Foto: Agência Câmara

Regras do plano de previdência dos congressistas são bem mais brandas e flexíveis do que as previstas na reforma da Previdência. Um deputado pode se aposentar a partir de apenas um ano de mandato.
POR LUCIO VAZ.
O deputado Manuel Rosa Neca (PR-RJ) chegou à Câmara como suplente, em janeiro de 2013. Cinco meses mais tarde, ingressou no plano de previdência dos congressistas. Completou apenas dois anos de mandato como deputado federal. Com o aproveitamento (averbação) de parte de mandatos anteriores de vereador e prefeito em Nilópoles (RJ), além de mais 26 anos de contribuição ao INSS, conseguiu a aposentadoria e recebe, hoje, R$ 8,6 mil. 
Esse é um dos exemplos das facilidades do Plano de Seguridade Social dos Congressistas (PSSC), que conta com regras bem mais brandas e flexíveis do que as previstas na reforma da Previdência a ser votada pelos deputados e senadores nos próximos meses.

Mas as regras do plano são ainda mais permissivas. Um deputado pode se aposentar a partir de apenas um ano de exercício do cargo, desde que faça averbações de outros mandatos ou contribuições ao INSS. 

O ex-deputado Junji Abe (PSD-SP) exerceu o cargo por  apenas quatro anos, entre 2011 e 2015. Em janeiro de 2015, teve aprovadas pela Câmara a averbação de mandatos de deputado estadual, vereador e prefeito de Mogi das Cruzes que somavam 20 anos de exercício desses cargos. 

O valor da averbação ficou em R$ 1,4 milhão. Em junho daquele ano, conseguiu ainda o aproveitamento de 12 anos de contribuições ao INSS. Fechou 24 anos de mandatos e assegurou uma aposentadoria de R$ R$ 23 mil.

Continue lendo aqui: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/deputado-se-aposenta-depois-de-apenas-dois-anos-de-mandato/

sábado, 25 de fevereiro de 2017

Veja a íntegra do levantamento dos presos provisórios no Brasil e no Maranhão.

Foto: Esmar Filho.
Veja aqui a íntegra do Levantamento dos Presos Provisórios do País e Plano de Ação dos Tribunais. 
O documento de 59 páginas reúne informações enviadas pelos Tribunais de Justiça dos Estados, relativos aos presos no Brasil. 
O relatório é fruto de compromisso firmado entre os presidentes dos Tribunais de Justiça e a presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, em reunião realizada em 12/1, e buscou traçar um panorama do sistema carcerário brasileiro e elencar ações que deem celeridade à tramitação de processos relacionados a presos provisórios.
Agência CNJ de Notícias.

Maranhão - O Sistema Penitenciário do Estado do Maranhão informou que tinha 12.059 presidiários, sendo5.637 presos provisórios. Ou seja, 46,75% do total de presos são provisórios no Estado.
Sendo divididos em duas categorias presos provisórios: A primeira é de presos com até 180 de custódia, um total de 2103 detentos, ou 37%. 
E a segunda é dos presos com mais de 180 dias de custodias que totalizam 3.534 presos custodiados, ou 63% dos presos no Estado.

A União Europeia X Trump: a tempestade se avizinha.

Trump vs. the European Union: The Coming Storm
As relações entre EUA e União Europeia estão em rumo de colisão quanto ao Irã, a OTAN e refugiados
Por Dina ESFANDIARY, Ariane TABATABAI.
Tradução: btpsilveira. (http://mberublue.blogspot.com.br/)
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, prometeu “colocar os EUA em primeiro lugar”, impedir que outros países continuem a se aproveitar do país e abalar a mentalidade de manutenção do status que domina Washington. O resultado foi uma política inconsistente e errática de sua administração nas primeiras duas semanas.
A partir da afirmação que o Irã “está avisado”, passando pela proibição da aceitação de imigrantes de sete grandes países islâmicos chegando à colocação em risco de antigas alianças dos EUA, o presidente Donald Trump continua a colocar em risco a segurança, interesses e cidadãos dos Estados Membros da União Europeia. Esta precisa reagir para minimizar implicações estratégicas ainda maiores nas drásticas mudanças de rumo da política dos Estados Unidos e controlar o Presidente Trump.

A mudança ideológica direcionada a uma oposição ainda maior contra o Irã foi um dos principais componentes da política do presidente Trump para o Oriente Médio. Sua equipe vê o Irã como um regime dirigido por “mulás maus”, liderado por uma ideologia islâmica revolucionária e determinada a se opor aos Estados Unidos. A administração (norte)americana superestima a capacidade iraniana fora de qualquer proporção e não é capaz de entender suas intenções. No Iêmen, a equipe de Trump segue a linha saudita – os Houthis são um fantoche iraniano e uma ameaça aos Estados Unidos – mas ocorre que a realidade é muito mais complicada. Quando o Irã testou um míssil de médio alcance neste mês, a administração Trump resolveu colocar o Irã “sob aviso” e impôs novas sanções ao país.
O medo nas capitais europeias é que tudo isso coloque em risco o acordo nuclear de 2015 com o Irã. O forte tom anti-iraniano que a desescalação para diminuir a crise se torna mais difícil. E que é provável que o acordo seja desafiado por ambas as partes.

Durante sua campanha, Trump prometeu “rasgar” o acordo. Mas o Plano Abrangente de Ação Conjunta(Joint Comprehensive Plan of Action – NT) não se trata de um acordo bilateral que englobe apenas o Irã e os EUA; França, o Reino Unido, Alemanha, China e Rússia também estão envolvidos. Para a Europa, o acordo remove uma preocupação crucial: o programa nuclear iraniano. Também abre as portas para o diálogo com o Irã, caminho para resolver outros assuntos também preocupantes, algo que Bruxelas já começou a fazer através de seu diálogo político conjunto de alto nível União Europeia/Irã, no qual se discute de tudo, desde comércio até acordos relacionados a direitos humanos. A Representante da União Europeia para Segurança Política e Questões Externas, Federica Mogherini, aproveitou-se com sucesso do acordo para englobar não só os moderados mas também os políticos linha-dura de Teerã, para incluir assuntos tão complicados como os direitos humanos. É claro que o acordo tem suas falhas, mas mesmo os céticos, entre eles aliados dos EUA no Golfo e analistas  em Washington solicitaram que Trump aceite os termos do acordo.
O tom mais beligerante da nova administração em relação ao Irã também afeta a batalha contra o Estado Islâmico no Iraque. Mesmo levando-se em consideração que o papel desempenhado pelo Irã possa ser inquietante, é inegável que os Estados Unidos, a União Europeia e o Irã têm interesses em comum no Iraque. O Irã é com certeza parte interessada na luta contra o Estado Islâmico, e vê o combate contra o grupo como uma prioridade tanto política como de segurança do país, para a qual tem empenhado recursos substanciais. O Irã e os EUA já coordenaram esforços que resultaram em missões bem sucedidas nesse sentido. O crescimento do tom beligerante torna esse tipo de diálogo e coordenação menos provável e como consequência, dificultando a luta contra o Estado Islâmico no Iraque.
O presidente Trump definiu o foco de sua administração: a contenção do “terrorismo islâmico radical”. Como parte desse esforço, assinou uma ordem executiva controversa, restringindo os imigrantes e refugiados de sete grandes países majoritariamente islâmicos: Irã, Iraque, Síria, Líbia, Sudão, Somália e Iêmen. Ele afirmaque não se trata de uma proibição de muçulmanos em geral, mas não foi isso o que ficou parecendo. Mesmo com a proibição sendo suspensa, o dano já foi feito: se os muçulmanos entendem que foi uma proibição para muçulmanos em geral, isso é o que importa.
Longe de ajudar o ocidente no combate ao Estado Islâmico e sua ideologia – um dos principais objetivos da política externa de Trump – a ordem executiva foi um presente para os terroristas. Trata-se da ferramenta perfeita para recrutar mais militantes, mesmo tendo sido suspensa. O Estado Islâmico não estava sendo capaz de compor sua narrativa de uma luta do Islã contra o ocidente para a maioria do mundo islâmico até agora, mas a ação de Trump lhes permite exatamente isso. A ordem também ajuda a radicalizar os muçulmanos espoliados em seus direitos, e enfraquece os muçulmanos moderados que combatem as ideologias extremistas.
A proibição prejudicará ainda mais profundamente ao acordo nuclear com o Irã, que é um dos países atingidos pela ordem executiva. Esta, em conjunto com a mudança no programa de isenção de vistos do ano passado mandam mensagens conflitantes para investidores e homens de negócios esperançosos de entrar no mercado iraniano após o acordo nuclear. Caso o Irã seja capaz de colher os benefícios do acordo, sentir-se-á cada vez menos interessado de cumprir o combinado até o fim.
Porém, talvez ainda mais significativo para Bruxelas e líderes europeus seja o flagrante desrespeito do Presidente Trump ao lidar e se relacionar com seus aliados. A retórica brusca com aliados tradicionais como o México, Austrália e mesmo com países do Golfo Pérsico, bem como com a OTAN, realça o desprezo do presidente com qualquer um que critique a direção que os EUA estão tomando. Em contraste, o presidente Trump está sendo bem mais amigável com a Rússia de Vladimir Putin, cujas ações têm ameaçado a segurança europeia.
As drásticas mudanças – tanto nas políticas domésticas quanto nas exteriores – e seu aparente desprezo pelo funcionamento tradicional das relações internacionais colocam a União Europeia e seus membros ante um dilema: enfrentar Trump e suas políticas ao risco de dispensar um aliado importante, ou agir de modo mais passivo, permitindo que Trump adote um tom agressivo que pode dificultar potencialmente os interesses europeus.
A resposta tem que ser clara e simples: a União Europeia tem que defender a si mesma e seus interesses.
Quanto ao acordo com o Irã, a União Europeia deve assegurar que seja implementado. Isso quer dizer que Teerã tem que fazer sua parte, mas também que os EUA e a União Europeia cumprirão a sua. A UE precisa blindar o acordo como o fez o presidente Obama, e assegurar-se que pequenas crises não sairão de controle. Nestes tempos sensíveis como os próximos meses, isso é particularmente importante, dado que os radicais iranianos provavelmente tentarão brincar com a sorte e testar o acordo nuclear com testes de mísseis balísticos e atividades cibernéticas, enquanto a administração Trump parece ansiosa para escalar contra o Irã.
Uma maneira de fazer isso seria preencher a lacuna deixada pela partida do Secretário John Kerry. A UE deveria se aproveitar das boas relações construídas por Mogherini com o Irã para torna-lo parceiro de diálogo, especialmente nestes tempos de crise. Deveria continuar a envolver o Irã em outros fronts, entre eles seu apoio a grupos terroristas, atuação regional mais ampla e direitos humanos. Bruxelas deveria ainda assegurar que o Irã possa colher benefícios pelo acordo, através de negócios econômicos e comerciais. Mesmo ante a crescente dificuldade, trabalhar com parceiros asiáticos, por exemplo, pode ajudar a dissipar o atual ambiente de incerteza.
Os líderes da União Europeia devem continuar a condenar a ordem executiva de Trump. Caso a proibição seja reestabelecida, devem também tentar auxiliar aqueles que forem apanhados de surpresa e ficarem numa espécie de limbo, sem possibilidade de retorno para trabalhar ou estudar. A França, só para dar um exemplo, afirmou que dobraria o número de vistos para iranianos. Bruxelas deve agir rapidamente e disponibilizar medidas de reassentamento para aqueles refugiados já vetados pelo governo dos EUA, impedidos assim de adentrar o país. Funcionários da União Europeia e dos Estados Membros devem tentar acionar quaisquer níveis de interação com a administração Trump.
Já ficou demonstrado que a firmeza é a melhor maneira de tratar com o presidente Trump. A União Europeia deve tornar claro que não é apenas um recipiente dos favores dos Estados Unidos, mas parte integral e importante da arquitetura da segurança dos EUA e da ordem mundial liderada por eles e um parceiro crucial. Assim sendo, os funcionários da União Europeia devem ser tratados como iguais. A UE deve pressionar seja como for a administração Trump para que mantenha constância no trato com a OTAN e a Rússia. A falta de consistência dificulta a segurança da União Europeia e seus membros, mesmo que a retórica agressiva de Trump não seja seguida por ações reais. Além disso, devem pressionar para que uma linha mais dura contra a Rússia seja adotada. A EU e seus membros que já  dispenderam sangue e recursos para estabilizar o Afeganistão, deve ainda exigir uma estratégia viável para o país. O presidente Trump quase nada disse ainda sobre o Afeganistão, e não está claro se ele continuará os esforços empreendidos pelo seu antecessor ou não.
Além do interesse, a União Europeia tem a responsabilidade moral de enfrentar com decisão as políticas e a retórica imprudentemente agressiva da Administração Trump. Tanto a ordem executiva quanto a posição beligerante contra o Irã ameaçam a segurança europeia, porque enfraquecem a luta contra o terrorismo muçulmano, bem como colocam em perigo a implantação de um acordo multilateral que é crucial neste momento. Caso a UE e outros grandes aliados dos EUA não adotem uma posição firme na defesa de seus valores e interesses, o presidente Trump provavelmente se sentirá tentado a forçar a barra ainda mais. Isso fará a União Europeia parecer fraca e prejudicará os interesses, valores e esforços estratégicos primordiais do ocidente.
http://www.strategic-culture.org/news/2017/02/23/trump-vs-european-union-coming-storm.html