31.03.2013.
Desde sexta-feira à noite, quando o Azenha postou Globo consegue o que a ditadura não conseguiu: calar imprensa alternativa, nós conversamos bastante.
Temos várias coisas em comum. A paixão
pela reportagem. A indignação com o crescente “jornalixo” brasileiro,
que estupra a verdade factual, atenta contra a democracia, criminaliza
os movimentos sociais, viola os direitos humanos e a cidadania. A
preocupação com a justiça social, dar voz a quem não tem. A defesa do
SUS e da saúde pública.
Porém, democraticamente divergimos em relação ao futuro do Viomundo.
Sou contra o fim do site. Se a Globo está jogando seus “tomahawk”
contra nós e outros jornalistas/blogueiros de esquerda, é porque
incomodamos, estamos no caminho certo. Mais um motivo para não jogarmos
a toalha.
Lembra-se, Azenha, da petição em favor da pesquisa com células tronco-embrionárias? E do golpe D’Urso?
Em abril de 2007, após o Congresso
aprovar e o presidente Lula sancionar, a lei que autorizava esse tipo de
pesquisa no Brasil foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF). O então
subprocurador-geral da República, Cláudio Fonteles, alegou que era
inconstitucional. Questionado sobre se sua ação não teria motivação
religiosa, o franciscano Fonteles acusou Mayana Zatz de viés judaico.
Diante do silêncio profundo que se
seguiu, indignei-me. Na condição de cidadã, redigi um texto, repudiando
a desesperada manobra para desviar o foco do debate. O texto acabou
virando uma petição que destinei ao STF: Células tronco-embrionárias. Direito à esperança de cura e à liberdade de pesquisa, sim. Ao obscurantismo, não.
Eu ainda não conhecia pessoalmente o Azenha. O Viomundo, no entanto, foi o primeiro veículo a publicar a petição, com este destaque no título: Eu apoio. Ao final, conseguimos 48.519 assinaturas. A petição foi usada pela defesa no julgamento do STF.
Em 26 de setembro de 2007, estreiei no Viomundo, denunciando um dos idealizadores do movimento tucano-direitista Cansei, Luiz Flávio D’Urso, que era presidente da OAB-SP.
D’Urso, além de alardear que o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) apoiava o Cansei, divulgou que o seu presidente havia colocado toda a infraestrutura da entidade para ajudar o movimento. Era mentira.
Em fevereiro de 2008, denunciamos a epidemia midiática de febre amarela.
Um verdadeiro crime contra a saúde pública cometido pela velha mídia. O
pânico desencadeado pela combinação de má-fé e incompetência de grande
parte da imprensa levou milhões de pessoas a se vacinar inutilmente e a
correr riscos desnecessários devido aos efeitos colaterais. Duas
morreram estupidamente.
Impossível não relembrar, por exemplo:
Nossa razão de existir: o interesse
público com base na verdade factual em prol de bens maiores, como a
defesa da democracia, da cidadania, da saúde pública, dos direitos
humanos, dos movimentos sociais e das minorias.
Tudo isso só foi possível devido à
independência do site, sem conflitos de interesse, e a cooperação de
vocês, nossos milhares de leitores, e dos colaboradores voluntários que
fomos conquistando.
Pressões nunca faltaram. Houve ministro
mandando recado. Na última semana, uma pessoa que alguns de vocês
conhecem teve o desplante de ligar para o Azenha, pedindo a minha
cabeça, como o Serra e o Aécio fazem com os jornalistas que lhes fazem
perguntas embaraçosas e matérias desfavoráveis.
Azenha deu risada. Como eu daria, se alguém viesse questionar a seriedade, a lisura e a ética profissional do Azenha.
Nós estamos juntos no Viomundo há
quase seis anos. Temos plena autonomia de trabalho, pois agimos sempre
com muita responsabilidade. Nossas denúncias não são baseadas em
achismos. Elas só vão para o ar depois de muito investigadas.
Tudo isso, confesso, à custa de muito
sacrifício pessoal. É com o dinheiro que ganho como free-lancer e livro
na área de saúde que eu posso fazer o Viomundo.
Já disse aqui que
entendo as razões do Azenha. É duríssimo ser penalizado por exercer o
seu direito constitucional de expressar a sua opinião. Assim como é
duríssimo ver tolhido o seu direito ao exercício adequado da profissão
de jornalista.
Pior é que tudo muito surreal, kafkaniano, mesmo.
A Globo alardeia a liberdade de
expressão e de imprensa. A dela, claro, pois a nossa, ela tenta
silenciar por meio de processos. Isso é censura!
Queremos a regulamentação dos meios de
comunicação, como já existe na Inglaterra, EUA, Argentina e Venezuela. A
Globo e o restante da mídia corporativa dizem que é censura, quando não
é.
Paradoxalmente, ela pode destruir a
reputação de quem desejar, pois sabe que conta com impunidade. Já nós,
pela simples menção de um nome, somos alvo de processo.
Já pensaram quanto o Lula lucraria se
um belo dia o ex-presidente decidir processar a Globo & Cia, com
base no que já o difamaram?
No Viomundo, nunca nos
recusamos a publicar contestações de quem quer que seja. Tanto que já
postamos notas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do senador
Aécio Neves. Procedimento que a velha mídia usualmente não tem com as
vozes discordantes.
A Globo leva despudoradamente 70% das
verbas publicitárias do governo federal, que paga para apanhar. Mas
basta esse mesmo governo anunciar em algum blog progressista para ser
chamado às falas pela velha mídia, que posa de vestal, e o veículo ser
tachado de chapa branca.
Azenha já disse trocentas vezes. O Viomundo não
aceita nem pleiteia verba de governos federal, estaduais e municipais.
Porém, em nome da pluralidade e da democratização da informação,
defendemos que o governo federal anuncie também na blogosfera
progressista, como faz em outros veículos da própria internet. Queremos
equidade de tratamento em respeito à pluralidade democrática.
A questão não é financeira e sim
política. Incomodamos não só porque mostramos os malfeitos da mídia
corporativa, como também os dos seus apaniguados.
A Globo, ao tentar nos calar, não quer
apenas ficar livre de críticas incômodas à sua atuação. Ela quer também
proteger os seus aliados políticos.
Lembram-se da bolinha de papel que, em
2010, atingiu a cabeça de José Serra, levando-o a fazer uma tomografia
num hospital no Rio de Janeiro? E da hipocrisia de dona Mônica Serra
que, em campanha na Baixada Fluminense, disse que a Dilma queria matar
criancinhas, quando ela própria já havia feito aborto? Essas armadilhas –
todos sabem — só foram desmascaradas graças à blogosfera de esquerda.
Em entrevista que me concedeu esta
semana, o presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no
Estado de São Paulo, José Augusto Camargo (Guto), alertou: “Estamos
assistindo ao crescimento da violência contra os jornalistas no Brasil.
Vão de ameaças veladas, intimidações, ações na Justiça a agressões e
assassinatos. Tudo isso levando ao cerceamento do exercício da
profissão”.
Os processos contra Azenha, Rodrigo
Vianna, Marco Aurélio Mello, Cloaca, Luís Nassif e Paulo Henrique Amorim
demonstram essa violência.
Ontem à noite, Gerson Carneiro postou
nos comentários uma foto com Azenha, eu, ele e Dukrai (João Aguiar), no
1º Encontro de Blogueiros Progressistas, realizado em São Paulo, em
2010. Legendou-a como o famoso postulado de Saint-Exupery: “Tu te
tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”
Queridíssimo Gerson, sabia que isso torna tudo mais difícil neste momento?
Concordo com Igor Felippe, outro queridíssimo, quando diz que o Viomundo já saiu das nossas mãos.
Construímos o Viomundo não
mirando no próprio umbigo. Mas, pensando em mostrar, de forma
transparente, democrática e digna, o que a mídia corporativa não
divulga, em dar voz aos movimentos sociais e aos que pensam fora da
caixa.
Talvez até por isso o Viomundo tenha
se tornado muitíssimo maior do que nós. Sem dúvida, uma conquista, que
nunca teríamos conseguido sem vocês, leitores e colaboradores
voluntários.
Azenha, eu já te disse e repito: respeito e entendo os seus motivos.
Mas reflita. O fim do Viomundo é exatamente o que outros inimigos nossos mais querem. Já estão a comemorar essa possibilidade. Fechar o Viomundo,
portanto, é fazer o jogo deles. Defendo que façamos exatamente o
contrário do que eles desejam. Temos que seguir adiante pela confiança
que nossos milhares de leitores depositam em nós. Não vamos deixar que
nos calem.
Tenho certeza de que o seo Azenha, comuna de quatro costados das antigas, concordaria comigo e com os milhares de leitores e amigos do Viomundo,
que, desde sexta-feira, nos emocionam com tanta solidariedade. À luta,
amigo queridíssimo, companheiro de batalha por um Jornalismo decente,
parceiro de trabalho.
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