segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Russia. Aventuras da fragata Aurora no Peru.

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A nossa compatriota Maia Romenets, que vive no Peru desde 1972, entusiasmou-se pela busca de materiais sobre a fragata russa Aurora. Esta embarcação era uma belonave de 44 canhões, um dos últimos representantes da frota de veleiros da Rússia. Em 1854, ela fez escala de duas semanas no porto peruano de Callao. A pesquisadora conseguiu recolher de grão em grão nos arquivos históricos da Rússia e do Peru a história desta fragata.

Maia Romenets encontrou informações sobre dois tripulantes da Aurora que sofreram de escorbuto grave durante a longa navegação e que pereceram durante a estadia do navio na enseada de Callao. Maia como que sentiu um choque quando soube que estes dois marinheiros russos tinham sido sepultados na ilha peruana de São Lourenço. Em 2008, a Associação de Compatriotas Russos no Peru, chefiada por Maia Romenets, instalou em homenagem à sua memória uma cruz ortodoxa nesta ilha. Foi rezada uma missa em recordação dos marinheiros russos que tinham encontrado a sua última morada na terra estranha. Infelizmente, os nomes destas pessoas continuavam desconhecidos. 

A fim de esclarecê-lo, foi decidido fazer um requerimento ao Arquivo da Marinha de Guerra de São Petersburgo. E que lance de fortuna! A mensagem de resposta que chegou a Lima informava que na ilha peruana de São Lourenço estavam enterrados os marinheiros da fragata Aurora Vassili Igumnov e Malofei Kurochkin. Em abril de 2009, na cruz foi fixa uma placa de bronze com os seus nomes, recuperados do esquecimento. A partir de então, os marinheiros peruanos da guarnição local cuidam deste túmulo juntamente com a Associação de Compatriotas Russos. O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, visitou em outubro de 2008 durante a sua estadia em Peru a ilha de São Lourenço e depositou flores junto do pedestal da cruz ortodoxa.

Por que razão teria a Aurora ido parar naquela época longínqua junto do litoral peruano? A fragata realizava uma viagem da base naval báltica de Kronstadt rumo ao litoral leste da Rússia. Depois de atravessar o oceano Atlântico e contornar o cabo Horn, o navio entrou nas vastidões do oceano Pacífico já bastante afetado por tempestades. No porto peruano de Callao, a fragata Aurora supriu os estoques de alimentos e de água doce mas teve que permanecer aí mais algum tempo devido à necessidade de fazer reparações. Como se soube depois, ficou numa armadilha. Acontece que, por esta altura, na Europa já tinha começado a guerra que foi chamada mais tarde Guerra da Crimeia. 

No conflito armado pelo domínio sobre o mar Negro e os Bálcãs, estavam implicadas a Rússia e a coalizão do Império Otomano, Inglaterra e França, que lutava contra ela. O principal teatro de operações militares foi a península da Crimeia. Mas a Aurora poderia enfrentar um combate naval contra as forças superiores do inimigo mesmo neste local, situado tão longe da Europa. É que no anteporto de Callao estavam fragatas de uma esquadra anglo-francesa. O capitão da Aurora, Ivan Izilmetiev, – um navegador experiente e corajoso, – mandou reunir a tripulação. 

O marinheiro Gavriil Tokarev reproduziu da seguinte maneira o apelo que o capitão tinha feito nesta ocasião à tripulação: “Rapazes! Recordem, eu lhes disse que devemos estar prontos para a guerra contra os ingleses e franceses. De acordo com certos boatos, a guerra já foi declarada mas a respetiva notícia não chegará a Callao antes do domingo e é possível que os navios que se encontram no anteporto local venham a perseguir-nos. Vejam de que maneira podemos sair disso merecendo uma condecoração – a Cruz de São Jorge! O mais importante é não criar agitação mas disparar a sangue frio, como se fosse um treinamento”.

Os marinheiros russos estavam prontos para o combate. Mas o capitão continuava a pensar no modo de escapar da armadilha em que a Aurora ficara. Intensificou os preparativos para a passagem da fragata para os mares russos. As reparações eram feitas 24 horas por dia. Durante alguns dias, a tripulação executou um trabalho que exigia normalmente um lapso de tempo muito maior. Os marinheiros fizeram tudo o que deveriam e estava ao seu alcance: calafetaram bem o casco, consertaram as velas, reforçaram os mastros. Esta urgência não foi em vão. 

Todos sabiam que os tripulantes dos navios ingleses e franceses observavam permanentemente a Aurora através de óculos de alcance a fim de impedir a sua saída do porto. Depois de se certificarem de que o navio estava pronto para uma longa viagem, o capitão resolveu aproveitar o tempo nebuloso – levantar âncora bem cedo de manhã e sair impercetivelmente da enseada. Foram lançadas na água sete escaleres de dez remos cada um que rebocaram a fragata para fora dos limites do ancoradouro. Graças à neblina, os vigias dos navios ingleses e franceses não perceberam que a Aurora se deslocava com velas recolhidas. Depois de ultrapassar os limites do campo de visão, os marinheiros russos içaram as velas e a fragata desapareceu no oceano antes que o inimigo conseguisse organizar a sua perseguição. 

As buscas do navio russo resultaram inúteis. A Auroranavegou no oceano 66 dias sem uma única escala e, depois de ultrapassar uma distância enorme, chegou ao litoral pacífico da Rússia. A fragata participou da defesa da cidade de Petropavlovsk-Kamchatski, que tinha sido atacada pouco tempo depois por uma esquadra anglo-francesa. Na Crimeia, o desenrolar da guerra resultou desfavorável para os russos mas em Petropavlovsk-Kamchatski o inimigo foi rechaçado com grandes perdas. Em abril de 1855 a Aurora saiu juntamente com vários outros navios de Petropavlovsk-Kamchatski em direção à foz do rio Amur – estes territórios russos também necessitavam de proteção. 

A belonave permaneceu aí até o fim de guerra. Depois da conclusão da paz, ela prosseguiu na viagem de circunavegação, a última navegação deste gênero para os veleiros militares da Rússia. Em 1857 a Aurora retornou ao mar Báltico. A coragem demonstrada durante a defesa de Petropavlovsk-Kamchatski valeu ao capitão Ivan Izilmetiev a condecoração com a ordem de São Jorge.

O cientista Leopold Schrenck, que se encontrava a bordo da Aurora, também retornou a Petersburgo desta viagem longa e perigosa. Durante a escala curta no Peru, ele participou juntamente com os colegas peruanos das escavações do antigo povoado de Limatambo. Fez isso apesar do ambiente nervoso que reinava em torno do navio e da febre-amarela que grassava então em Lima. Vários marinheiros tiveram a permissão do capitão para ajudá-lo. Quando chegou o momento de despedida do Peru, Schrenck teve que renunciar com grande desgosto à continuação das escavações. O cientista trouxe para a Rússia achados arqueológicos interessantes – 60 objetos sobre a cultura e de vida dos índios que habitavam esta região nas épocas remotas. Esta foi a primeira coleção de antiguidades peruanas na Rússia que pode ser vista ainda hoje no Museu de Antropologia e Etnografia de São Petersburgo. 

Além disso, Leopold Schrenck adquiriu numa pequena loja no centro de Lima 78 aguarelas e desenhos da autoria de Pancho Fierro, – um artista popular do Peru. O cientista russo ficou maravilhado com o colorido e realismo dos quadros da vida da sociedade peruana daquela época. Agora, estas obras magníficas são propriedade da Academia de Ciências da Rússia e representam a maior coleção de obras deste artista fora dos limites do Peru.
Qual foi o destino da Aurora e do seu capitão?

Ivan Izilmetiev foi promovido a contra-almirante e nomeado chefe do estado-maior do porto de Kronstadt, principal base naval da esquadra russa do mar Báltico. Um contratorpedeiro, posto ao serviço em julho de 1916, foi nomeado, em homenagem a este corajoso navegador, “Capitão Izilmetiev”. Durante a Primeira Guerra Mundial este navio participou de batalhas navais no mar Báltico.

Mas, depois da Revolução de Outubro, a belonave com o nome deste capitão eminente da marinha de guerra russa, foi rebatizada, passando a se chamar Lenin. Aliás, este “rebatismo” injusto foi naquela época o destino triste de muitos outros navios de guerra russos. Era a época em que se riscavam imerecidamente muitos nomes gloriosos que constituíam o orgulho da Rússia antiga. 

O contratorpedeiro Lenin deixou de integrar a esquadra do mar Báltico em junho de 1941, depois do ataque da Alemanha fascista contra a União Soviética. O navio estava nessa altura no porto letão de Liepaj para reparação e a sua própria tripulação destruiu-o para evitar que ficasse nas mãos do inimigo.

Quanto à fragata à vela Aurora, esta, depois de expirado o prazo do seu serviço, foi desmontada e posta à venda. Isto se deu em 1861. Tinha chegado a nova época de navios de aço. Mas o comando da marinha de guerra da Rússia pré-revolucionária não queria esquecer o veleiro de madeira que se glorificara nas batalhas contra a esquadra anglo-francesa junto de Petropavlovsk-Kamchatski. Poucas pessoas sabem que um cruzador construído em 1900 no estaleiro de São Petersburgo recebeu o seu nome precisamente em homenagem a esta fragata. 

O cruzador Aurora foi lançado à água durante uma cerimônia solene, comandada pessoalmente pelo imperador Nicolau II, na presença de numerosos membros da família imperial. Mas, em 1917 o navio ficou nas mãos de marinheiros revolucionários e o seu canhão de proa deu o tiro que serviu de sinal para o assalto ao Palácio de Inverno e anunciou o início da Revolução de Outubro na Rússia. Na época do poder soviético, o cruzador Aurora obteve um ancoradouro eterno e ainda hoje está atracado no cais do rio Neva na qualidade de monumento da história nada simples do nosso país.

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