do CONEN – Coordenação Nacional das Entidades Negras/Brasil, por sugestão da sgeral/MST.
O Supremo Tribunal Federal (STF) julga nesta quarta-feira, dia 25 de
Abril, a constitucionalidade da Lei que criou o Programa Universidade
para Todos (PROUNI) e das ações afirmativas do Programa de Cotas para
Negros e Negras na Universidade de Brasília (UNB).
É mais uma tentativa das elites conservadoras para limitar as
conquista e impedir as mudanças em curso, que buscam reduzir as
desigualdades sociorraciais e a imensa dívida histórica e social que a
sociedade e o Estado tem para com a população negra do Brasil.
Abaixo, pronunciamento de Marcos Cardoso, representando a CONEN –
Coordenação Nacionalde Entidades Negras, na audiência pública sobre a
Constitucionalidade de Políticas de Ação Afirmativa de Acesso ao Ensino
Superior, realizada pelo STF no período de 3 a 5 de março de 2010.
A CONEN vai estar em Brasília,junto com várias organizações do
movimento social e do movimento negro brasileiro que estão se
mobilizando para mais uma vez defender a manutenção do PROUNI e a
implementação das políticas de cotas para a juventude negra brasileira.
Direção Executiva da CONEN
25 de Abril de 2012.
DEFESA DAS AÇÕES AFIRMATIVAS E DAS COTAS RACIAIS PARA A
POPULAÇÃO NEGRA, POVOS INDÍGENAS E ALUNOS EGRESSOS DAS ESCOLAS PÚBLICAS
BRASILEIRAS.
Participação da Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN) na
audiência pública sobre a Constitucionalidade de Políticas de Ação
Afirmativa de Acesso ao Ensino Superior, realizada pelo Supremo Tribunal
Federal (STF), no período de 3 a 5 de de março de 2010.
Exmo Senhor Ministro Enrique Ricardo Lewandowski
A nossa luta pelas ações afirmativas e por cotas raciais no Brasil
tem uma perspectiva de futuro. O racismo não escolhe tempo, nem espaço,
nem lugar, afirma a militante negra Angela Gomes. O racismo é mais que
uma ideologia, é uma instituição em si, constituída na História. O
racismo se realimenta, cotidianamente, pois, reforça-se no apoio
incondicional das elites econômicas, movidas que são pelos seus
privilégios e pelo legado do eurocentrismo à ciência e ao mercado. As
doutrinas eurocêntricas formaram parte significativa dos intelectuais
brasileiros e influenciaram as instituições do Estado e as instituições
privadas, entre essas, as instituições educacionais, de modo que o
processo de exclusão racial na sociedade brasileira funcione sem
conflitos e na base de pseudos consensos.
Entretanto, sabemos que explicitar o racismo e, por ventura, os
conflitos étnicos e raciais, é necessário e fundamental para evidenciar a
desigualdade entre campos de poder e romper com a cristalização e a
naturalização das desigualdades raciais. Ao fazer isso, o Movimento
Negro Brasileiro revela, põe a nu, o quadro de violência física,
material e simbólica a que a população negra, está submetida. Por essa
razão, essa audiência pública sobre a constitucionalidade das políticas
de ações afirmativas para grupos sociais historicamente excluídos é
importantíssima pelos seus resultados no futuro, pelos impactos que
poderá produzir no processo histórico da luta pela redução da violência
que é o racismo e na promoção do desenvolvimento humano, porque o que
estamos falando aqui é da humanidade, da humanidade negro-africana que o
racismo busca a todo o momento negar.
Senhor Ministro, as ações promovidas na Justiça brasileira com o
objetivo de derrubar o sistema de cotas partem das mesmas alegações.
Argumenta-se que o sistema de cotas fere o princípio da isonomia, que as
universidades não teriam autonomia para legislar sobre a matéria, que o
conceito de raças está superado com o avanço das ciências biológicas e
da genética, que os problemas da realidade social brasileira
restringe-se à dicotomia ricos e pobres, enfim, uma repetição enfadonha
da cantilena gilbertofreyriana e dos seus seguidores, inconformados com a
emancipação e autonomia dos históricos sujeitos sociais subalternos.
Todavia, toda decisão jurídica é um palco de lutas e de conflitos
políticos duros e polêmicos. Assim, entendemos que a discussão sobre as
políticas de ações afirmativas e as cotas raciais precisam ser pensadas a
partir do que representa o racismo na sociedade brasileira. Esse é o
centro do nosso debate.
Modelo racista sui generis
Marcada pela hierarquização racial, a nossa sociedade moldou-se como um modelo racista sui generis.
Aqui, não se precisa de um instrumento legal para excluir objetivamente
a população negra das possibilidades efetivas de emancipação econômica,
política, acadêmica e social. A partir do discurso da sociedade
harmônica e pacífica articularam-se fórmulas objetivas e eficazes que
geram barreiras para a ascensão social negra, de forma que,
cotidianamente, negras e negros são postos à prova tendo que demonstrar
genialidade para aquilo que, em verdade, bastaria algum esforço. É o
racismo institucionalizado pela imprensa, pelo Judiciário, pelo senso
comum, pela escola e sobretudo, pela Academia.
A legitimação simbólica e política se dá pela reprodução de que somos
todos iguais, que vivemos numa sociedade multicultural e de que o
cruzamento racial se deu a partir de bases integradoras. Na realidade,
porém, vivemos num país de tamanha iniquidade racial ao ponto de se
passar a responsabilizar os (as) negros (as) pela sua própria exclusão,
alegando que, se todos são iguais, com as mesmas oportunidades, os que
não “progridem” é porque são preguiçosos e incompetentes.
Ora, a afirmação de que com a aplicação de medidas como as ações
afirmativas e as cotas raciais, negros e negras estariam sendo
beneficiados por um sistema inconstitucional e discriminatório, reforça a
ideia em que as vítimas são postas como algozes que, com a política de
cotas raciais, estariam injustamente “tomando” as vagas dos jovens
brancos. Esta é uma operação social que faz uma inversão e justifica o
racismo de Estado, é a vitória da (falsa) neutralidade estatal.
Outra alegação é a de que não haveria nos Conselhos das Universidades
Públicas a prerrogativa para implementar a política de cotas. Este
argumento reforça a tentativa de controle externo nas Instituições de
Ensino Superior que fere, frontalmente, o princípio ético, acadêmico,
político e constitucional da autonomia universitária, sobretudo, neste
momento em que a fúria neoliberal avança sobre as Universidades
Públicas, impondo-lhes formas de regulamentação e controle.
É inequívoca a prerrogativa dos Conselhos das Universidades Públicas
para estabelecer, segundo as suas próprias interpretações e em
consonância com os valores constitucionais, seus próprios sistemas e
critérios político acadêmicos para seleção de estudantes. Há, apenas, o
exercício legítimo da prerrogativa constitucional exercido pela
comunidade universitária das universidades públicas brasileiras, que nos
últimos anos vem adotando políticas de reserva de vagas.
Outro argumento é o da impertinência do critério raça/cor na
definição de políticas públicas. Que o fator de discriminação relativo à
cor ou à tonalidade da pele apenas resultará em casuísmos e
arbitrariedades e que a ciência contemporânea aponta de forma unânime
que o ser humano não é dividido em raças, não havendo critério preciso
para identificar alguém como negro ou branco.
Tal alegação é recorrente na discussão da política de cotas, e
constitui-se como estrutura do discurso do racismo. São tentativas de
negar a realidade afirmando não haver um critério social e político que
especifique definitivamente quem são os negros e brancos na sociedade
brasileira.
Uma rápida análise dos números e dos indicadores sociais bastará para
que percebamos, objetivamente, que se construiu um conceito político e
social da raça que existe e funciona na definição de lugares e barreiras
sociais. Sabemos que a raça em sua concepção biológica do século XIX já
foi superada nos debates acadêmicos em todo o mundo. Entretanto,
sabemos também que, no Brasil, a categoria racial subsiste enquanto
construção política e social e que sujeitos com determinadas
características físicas, fenotípicas, morfológicas estão sujeitos à
determinados benefícios ou impeditivos reais na construção de sua
própria trajetória de vida e de cidadania.
Ao defender que a raça é uma categoria ultrapassada a sua
consideração para efeito da construção da política de ações afirmativas
incorrem na maior iniquidade da democracia brasileira: a presunção de
que todos somos iguais para eximir o Estado de suas responsabilidades. A
lógica neoliberal dessa argumentação conduz-nos à controvertidas
confusões, como se as cotas fossem privilégios antirrepublicanos e não
uma política séria e eficaz que contribui para a promoção da igualdade.
Temos a convicção de que a República é incompatível com a existência
de privilégios de qualquer espécie, porém, pensar as cotas como um
privilégio, e não como um direito, é desconhecer o sentido, já
amplamente consagrado, da definição constitucional da igualdade em que o
Estado não tem papel meramente proibitivo, mas o de indutor de
políticas que avancem no sentido da promoção, não meramente formal, da
igualdade.
Os opositores das cotas raciais manifestam seu incomodo com essas
medidas. Eles não apresentam suas verdadeiras razões, ocultam seu
preconceito. Muitos silenciam, tantos outros inventam os mais enviesados
argumentos para detratá-las, porém sabemos que o pano de fundo é a
existência do racismo revestido de novas roupagens. Sim, o racismo muda.
Os opositores das ações afirmativas e das cotas raciais afirmam que
não somos 90 milhões de negros e negras e de que é difícil identificar
no mestiço o que é um negro. Agora, não nos furtemos em admitir que o
mais claro pode “pegar mais identidades no armário” do que o mais preto.
Portanto, negro, mestiço e pardos, são identidades funcionais que se
coadunam para a disputa política contra um time poderoso que quer um
mundo sem “identidade” e sem “diversidade”.
Um dos maiores problemas da nossa sociedade é o racismo, que, desde o
fim do século passado, é construído com base em essencializações
socioculturais e históricas, e não mais necessariamente com base na
variante biológica ou na raça. Não se luta contra o racismo apenas com
retórica e leis repressivas, não somente com políticas universalistas,
mas também, e, sobretudo, com políticas focadas ou específicas em
benefício das vítimas do racismo numa sociedade onde este é ainda vivo. É
neste sentido que defendemos as políticas de ação afirmativa e de cotas
raciais para o acesso ao ensino superior e universitário. No pensamento
dos opositores das ações afirmativas, todos os que fazem parte desse
bloco querem racializar o Brasil.
Defendemos as cotas em busca da igualdade entre todos os brasileiros,
brancos, índios e negros, como medidas corretivas às perdas acumuladas
durante gerações e como políticas de inclusão numa sociedade onde as
práticas racistas cotidianas presentes no sistema educativo e nas
instituições aprofundam cada vez mais a fratura social. Cerca de 80
universidades públicas estaduais e federais que aderiram à política de
cotas sem esperar a Lei entenderam a importância e a urgência dessa
política.
Acontece que essas universidades não são dirigidas por negros,
mas por brancos que entendem que não se trata do problema do negro, mas
sim do problema da sociedade, do seu problema como cidadão brasileiro.
Tudo não passa de maquinações dos que gostariam de manter o status quo e
que inventam argumentos que horrorizam a sociedade. Quem está ganhando
com as cotas? Apenas os alunos negros ou a sociedade como um todo? Quem
ingressou através das cotas? Apenas os alunos negros e indígenas ou
entraram também estudantes brancos da escola pública?
Para o mestre Kabengele Munanga, este debate se resume a duas
abordagens dualistas. A primeira compreende todos aqueles que se
inscrevem na ótica essencialista, segundo a qual a humanidade é uma
natureza ou uma essência e como tal possui uma identidade genérica que
faz de todo ser humano um animal racional diferente dos demais animais.
Eles afirmam que existe uma natureza comum a todos os seres humanos em
virtude da qual todos têm os mesmos direitos, independentemente de suas
diferenças de idade, sexo, raça, etnias, cultura, religião, etc.
Trata-se de uma defesa clara do universalismo ou do humanismo abstrato,
concebido como democrático.
Considerando a categoria raça como uma
ficção, eles advogam o abandono deste conceito e sua substituição pelos
conceitos mais cômodos, como o de etnia. De fato, eles se opõem ao
reconhecimento público das diferenças entre brancos e não brancos. Aqui
temos um antirracismo de igualdade que defende os argumentos opostos ao
antirracismo de diferença. As melhores políticas públicas, capazes de
resolver as mazelas e as desigualdades da sociedade, deveriam ser
somente universalistas.
Qualquer proposta de ação afirmativa vinda do
Estado que introduza as diferenças para lutar contra as desigualdades, é
considerada, nessa abordagem, como um reconhecimento oficial das raças
e, consequentemente, como uma racialização do Brasil, cuja
característica dominante é a mestiçagem. Ou, em outras palavras, as
políticas de reconhecimento das diferenças poderão incentivar os
conflitos raciais que, segundo dizem, nunca existiram.
Assim sendo, a
política de cotas é uma ameaça à mistura racial, ao ideal da paz
consolidada pelo mito de democracia racial, etc. Perguntamos se alguém
pode se tornar racista pelo simples fato de assumir sua branquitude,
amarelitude ou negritude?
A segunda abordagem reúne todos aqueles que se inscrevem na postura
nominalista ou construcionista, ou seja, os que se contrapõem ao
humanismo abstrato e ao universalismo, rejeitando uma única visão do
mundo em que não se integram as diferenças. Eles entendem o racismo como
produção do imaginário destinado a funcionar como uma realidade a
partir de uma dupla visão do outro diferente, isto é, do seu corpo
mistificado e de sua cultura também mistificada. O outro existe
primeiramente por seu corpo antes de se tornar uma realidade social.
Neste sentido, se a raça não existe biologicamente, histórica e
socialmente ela é dada, pois no passado e no presente ela produz e
produziu vítimas. Apesar do racismo não ter mais fundamento científico,
tal como no século XIX, e não se amparar hoje em nenhuma legitimidade
racional, essa realidade social da raça que continua a passar pelos
corpos das pessoas não pode ser ignorada.
Poderão as duas abordagens se cruzar em algum ponto em vez de se
manter indefinidamente paralelas? Essa posição maniqueísta reflete a
própria estrutura opressora do racismo, na medida em que os cidadãos se
sentem forçados a escolher a todo momento entre a negação e a afirmação
da diferença. A melhor abordagem seria aquela que combina a aceitação da
identidade humana genérica com a aceitação da identidade da diferença. A
cegueira para com a cor é uma estratégia falha para se lidar com a luta
antirracista, pois não permite a autodefinição dos oprimidos e institui
os valores do grupo dominante e, consequentemente, ignora a realidade
da discriminação cotidiana.
Muitos brasileiros ainda não acreditam na existência do racismo. Eles
acham que a questão é simplesmente econômica, de classes ou uma questão
social. Como se o machismo e a homofobia não fossem uma questão social.
Todas as questões que tocam a vida do coletivo são sociais, mas o
social não é algo abstrato, tem especificidade, tem endereço, sexo,
religião, cor, idade, classe social.
Muitos acham que o caminho para corrigir as desigualdades sociais
seria uma política universalista, baseada na melhoria da escola pública,
o que tornaria todos os cidadãos brasileiros capazes de competir. Mas
isso é um discurso para manter o status quo, porque enquanto se diz isso
nada é feito. Não se esqueça que quando as escolas públicas no Brasil
eram boas, os negros e pobres não tiveram acesso a ela. Havia outros
mecanismos que os excluíam. Então não adianta dizer que basta melhorar o
nível das escolas públicas. Mesmo porque isso significaria acabar com a
clientela das escolas particulares, que possui um forte lobby e não tem
nenhum interesse em ver escolas públicas de boa qualidade.
A Casa Grande não descansa
O que o Estado Democrático de Direito, a República, o interesse
público podem esperar quando se alinham, em uníssono à maneira de
campanha, os conglomerados de comunicação que, no Brasil, são os
proprietários privados dos mais influentes veículos da imprensa
nacional? Uma única coisa: o abuso do direito constitucional à liberdade
de expressão e de opinião. A coação dos demais poderes institucionais. O
desrespeito ao princípio de igualdade de oportunidade, cerne da
democracia. Eles se consideram os donos da verdade e da opinião pública e
pensam que representam o real. Especialistas em relações raciais na
sociedade brasileira são ungidos por estes meios de comunicação, e
tornam se celebridades.
Assistimos a essa manipulação dos conglomerados midiáticos – donos da
TV aberta com suas filiadas em todo o território brasileiro,
controladores da TV por assinatura, de emissoras de rádio; jornais,
poderosos portais, das maiores revistas noticiosas semanais, e de vários
outros tentáculos midiáticos articulados entre si – no afã de
desqualificar a justa reivindicação por políticas de ações afirmativas e
por cotas raciais para ingresso nas universidades públicas federais,
mantidas com recursos públicos, pagas também com o nosso dinheiro
através dos impostos que pagamos.
Diz o jornalista Fernando Conceição que esse poderosíssimo Leviatã
apresenta-se na atual conjuntura como o sucedâneo do Leviatã hobbesiano.
O propósito do monstro é amedrontar a sociedade repetindo insaciável,
incontinenti e monocordiamente que o Inferno em breve se instalará no
Brasil se os projetos de Lei que tramitam no Congresso Nacional – o
Estatuto da Igualdade Racial e a Lei de Cotas – forem aprovados.
Ambos estabelecem, pela primeira vez no país, um sistema de políticas
sociais compensatórias, inclusive de acesso às universidades públicas
federais, como forma de corrigir as profundas desigualdades repercutidas
até hoje pelos mais de 300 anos de escravidão negra e indígena que
marcam a história socioeconômica brasileira. A grande mídia simplifica
as políticas compensatórias, desqualificando-as, reduzindo a sua
importância e a sua real proposição.
“Raça” sempre foi utilizada pelos “senhores da terra”, desde o início
da colonização nas Américas, como traço distintivo. Aos africanos,
trazidos como escravos para todo tipo de trabalho, foi-lhes pregada a
definição de “negros” como marca de um tipo de animal racialmente
inferior aos demais humanos. Não importaram as suas diferenciações
culturais, ou étnicas, tampouco as suas tradições de origem. Todos são
(ou eram) da “raça” negra, consequentemente podendo ser escravos pelo
estatuto do ordenamento jurídico da Colônia e do Império. O racismo foi
uma das ferramentas ideológicas de organização da exploração colonial. A
República não solucionou, até o presente, essa equação.
Como diria Nei Lopes, o tempo, ironicamente, se encarrega de clarear
muita gente, no entanto, o Movimento Negro antes de sentir-se chocado
com a afirmação de um jornalista, segundo a qual “os negros usam os
pardos para engordar os números da miséria, mas depois se afastam dos
benefícios”, pelo contrário, ficamos profundamente indignados.
Como
sempre, os opositores das ações afirmativas e das cotas raciais voltam
ao passado mais obscurantista para justificar seus argumentos
supostamente modernos. No embate contra as políticas públicas que buscam
a igualdade entre negros e não negros no Brasil, procuram jogar os
negros de pele mais clara, os chamados “pardos”, contra os mais
pigmentados.
Exatamente como ensinou Maquiavel; como fizeram os europeus
na África, do século 15 ao 20 “dividir para reinar, para dominar”. E
alguns, tornam-se “capitães do mato do século XXI”, felizes em mais uma
vez servir a Casa Grande, reproduzindo o sofisticado discurso do racismo
contemporâneo.
A necessidade de políticas públicas
O reconhecimento de que a pobreza atinge preferencialmente a parcela
negra da população, como decorrência entre outros fatores do racismo
estrutural da sociedade brasileira e da omissão do poder público, aponta
a necessidade que o Estado incorpore nas políticas públicas
direcionadas à população de baixa renda a perspectiva de que há
diferenças de tratamento de oportunidades entre estes, em prejuízo para
homens e mulheres negras.
Embora há décadas o Movimento Negro denuncie o racismo e proponha
políticas para sua superação, somente uma política articulada e contínua
será capaz de reduzir a imensa dívida histórica e social que a
sociedade brasileira tem para com a população negra, submetida à
exclusão social e econômica. Os negros e negras são os mais pobres
dentre os pobres, de modo que as políticas de caráter universal que
ignorem tais diferenças de base entre os grupos raciais têm servido tão
somente para perpetuar e realimentar as atuais desigualdades.
Para tornar eficazes os direitos individuais e coletivos, os direitos
políticos e sociais, os direitos culturais e educacionais, o Estado tem
que redefinir o seu papel no que se refere à prestação de serviços
públicos, de forma a ampliar sua intervenção nos domínios das relações
intersubjetivas e privadas, buscando traduzir a igualdade formal em
igualdade de oportunidade e tratamento. Entre essas políticas,
defendemos a implementação das Ações Afirmativas e as Cotas Raciais,
como medida capaz de efetivar com mais equidade o acesso da juventude
negra, da juventude pobre e dos povos indígenas, nas instituições
federais e estaduais públicas do ensino superior e do ensino de
tecnologia.
Segundo Antônio Sérgio Guimarães, a democracia na Europa ou nos
Estados Unidos se estabeleceu pela negação das diferenças raciais e
étnicas não essenciais à cidadania. Em países regidos por esta ideologia
democrática e universalista, como o Brasil, que impede que tais
diferenças sejam nomeadas, mas onde subsistem privilégios materiais e
culturais associados à raça, à cor ou à classe, o primeiro passo para
uma democratização efetiva consiste justamente em nomear os fundamentos
destes privilégios: raça, cor, classe. Tal nomeação racialista
transforma estigmas em carismas.
Para o Movimento Negro Brasileiro, as
ações afirmativas e as cotas raciais como medidas necessárias para o
ingresso da juventude negra, da juventude pobre e dos povos indígenas no
ensino superior público tem um efeito agregador sobre a nacionalidade,
muito longe do efeito desagregador, como querem os que temem o
racialismo, ou um efeito político revolucionário, como querem os que
temem o não-racialismo.
É por essa razão que os negros e negras
brasileiros encontram seus potenciais aliados no campo das classes, e no
plano da luta mais básica pelo respeito aos direitos inalienáveis dos
seres humanos, até porque a comunidade negra e indígena apenas quer
educação. As ações afirmativas e as cotas raciais são uma importante
política de inclusão social em curso no país. Por essa nobre razão
esperamos do STF uma manifestação positiva e favorável a este pleito da
juventude negra, dos jovens pobres e dos povos indígenas.
Aguardamos do
STF um posicionamento que contribua na redução das desigualdades raciais
na educação. E, concluímos conclamando todos a continuar a luta junto
conosco, no espírito do poeta e líder do povo angolano, Agostinho Neto:
“Não basta que seja pura e justa a nossa causa, é necessário que a
pureza e a justiça existam dentro de nós”.
Brasília, 05 de Março de 2010.
Marcos Antônio Cardoso
CONEN – Coordenação Nacional das Entidades Negras/Brasil
Filósofo e Mestre em História – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas – UFMG.
Fonte:http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/stf-julga-lei-que-criou-o-prouni-e-as-cotas-para-negros- na-unb.html