CARTA POLÍTICA DA CARAVANA TERRITORIAL DA BACIA DO RIO DOCE.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.
Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!
Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?
“Lira Itabirana”, Carlos Drummond de Andrade, 1984.
Movidos pelo sentimento de justiça, indignação, luta, resistência e vontade de transformar o
modelo de sociedade e de desenvolvimento de nosso país, pessoas de dezenas de
organizações decidimos construir a Caravana Territorial da Bacia do Rio Doce logo após o
desastre-crime ocorrido com o rompimento da barragem de Fundão no dia 05 de novembro de
2015, envolvendo as empresas mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton.
Tratou-se de uma enorme tragédia anunciada que matou 20 pessoas, desalojou centenas de
suas casas destruídas pela lama de rejeitos, contaminou, afetou e destruiu a vida da bacia do
Rio Doce, uma das mais importantes da região sudeste e do país, afetando milhões de pessoas
que vivem e dependem dessa água e dessas terras.
Estamos diante da maior catástrofe
socioambiental do Brasil, e talvez a maior da megamineração de ferro no mundo.
Como
presenciamos na Caravana, os atingidos são muitos e encontram-se em diferentes escalas.
Afinal de contas, que desenvolvimento é este que mata e destrói?
Quem
é quem neste modelo?
Que alternativas temos para construir uma sociedade mais soberana,
justa, que respeite a natureza, a cultura e o trabalho de homens e mulheres?
A Caravana Territorial buscou enfrentar essas e outras questões.
Ela é um instrumento
político-pedagógico construído pelo movimento agroecológico no Brasil, junto com diversas
entidades, redes e movimentos sociais.
Ela vem sendo trabalhada desde o Encontro Nacional
de Diálogos e Convergências entre Agroecologia, Saúde e Justiça Ambiental, Soberania
Alimentar, Economia Solidária e Feminismo, realizado em 2011.
No processo de preparação do
III Encontro Nacional de Agroecologia, ocorrido em 2014, quinze (15) Caravanas foram
realizadas em diferentes territórios do país, reunindo diversos/as agricultores/as,
professores/as, movimentos sociais, pesquisadores/as, estudantes, coletivos e gestores
públicos.
As Caravanas são viagens de aprendizados, intercâmbios e construção de laços de
solidariedade e luta política, que exercitam um olhar conjunto e popular a respeito do
território, situando contradições, potencialidades e desafios na construção de uma nova
sociedade pautada na agroecologia, na reforma agrária, na saúde coletiva, na economia
solidária, na luta das mulheres, no respeito ao conhecimento dos povos e comunidades
tradicionais.
Buscamos dar visibilidade às denúncias e aos anúncios, aos conflitos sociais e
ambientais, às experiências de resistência e de autonomia, de valorização da cultura regional e
popular, de organização que marcam os locais por onde as rotas passam e ao final se
encontram num local de culminância.
Ao longo de cada rota fizemos visitas, intercâmbios de experiências, observações, aulas e atos
públicos, rodas de conversa entre caravaneiros/as e famílias/grupos/coletivos/ moradores/as
que participaram das atividades.
Também celebramos a vida, vivenciamos a cultura, a
alimentação solidária e a culinária, a hospitalidade da hospedagem solidária.
Nossa Caravana Territorial ao longo da Bacia do Rio Doce teve a finalidade de produzir leituras
compartilhadas sobre a tragédia-crime, analisar seus impactos, mobilizar ações de denúncias e
reivindicações, e apontar saídas de desenvolvimento territorial mais justas e sustentáveis na
região. Isso inclui experiências da agricultura familiar camponesa e agroecológica, iniciativas de
recuperação dos agroecossistemas da região, da Bacia Rio Doce e suas nascentes.
Enfim,
discutir tantas perguntas em aberto quanto ao futuro das pessoas e comunidades, ao futuro
das águas, dos peixes, dos solos, dos mangues, lagoas e praias; quanto ao futuro dos
trabalhadores e trabalhadoras filhos e netos da pesca e da agricultura, dos povos Krenak,
Guarani, Tupinikim, Pataxó, Botocudo e de tantas pessoas que tiveram suas vidas e direitos
violentados.
Nossa Caravana colocou o pé na estrada em quatro rotas entre os dias 11 e 14 de abril de 2016
chegando neste dia em Governador Valadares (MG), onde ficamos até o dia 16 com a
realização de instalações pedagógicas para o intercâmbio de experiências entre as rotas, uma
mesa redonda de debates, rodas culturais e um ato político.
Nossa Caravana envolveu dezenas de organizações nacionais, regionais e locais, com a
participação de cerca de 150 caravaneiros/as e mais de mil pessoas nas inúmeras atividades
realizadas. Percorremos a bacia do Rio Doce em sua enorme diversidade, descendo desde as
nascentes do Alto Rio Doce à sua foz, na Vila de Regência, município de Linhares (ES),
revelando a enorme diversidade da região.
Cruzamos vales, montanhas, serras, planícies,
riachos, nascentes, matas, trilhas, estradas, distritos, comunidades ribeirinhas, pequenas
cidades, cidades portuárias, cidades turísticas, grandes cidades, cidades históricas.
Andamos
pelas roças, comunidades tradicionais, escolas do campo e da família agrícola, sindicatos de
trabalhadores/as, mercados solidários, feiras da agricultura camponesa. Presenciamos a
tragédia-crime da lama de rejeitos, das terras devastadas, do rio contaminado, nos
solidarizamos com comunidades, agricultores e agricultoras, indígenas e quilombolas que
sofrem as enormes consequências do crime ambiental e social.
Vimos a força das mulheres na
resistência cotidiana contra os impactos da mineração e pela construção de alternativas.
A Rota 1 no Alto da Bacia foi iniciada na segunda feira dia 11/04/2016, na cidade de Mariana
(MG). A Rota teve a participação de cerca de 40 integrantes, que representavam 21
organizações e movimentos sociais, e contou com mais de 80 visitantes de diferentes
instituições e movimentos.
Essa rota percorreu o trajeto inicial da lama de rejeitos da
barragem de Fundão, pertencente à mineradora Samarco (Vale e BHP), vivenciando,
conhecendo e levantando as experiências de resistências e lutas, bem como os conflitos,
impactos e violações causadas pelo modo capitalista de produção nas atividades da mineração
industrial.
A Rota teve três finalidades principais:
Vivenciar e conhecer o contexto histórico e atual da atividade mineral no Vale do Rio Doce,
base do processo de exploração e destruição capitalista sobre a vida, a natureza, as
pessoas e os bens comuns, que resultou da tragédia-crime provocada pelo rompimento da
barragem de Fundão;
Percorrer o caminho da lama de rejeitos, identificando os impactos sociais e ambientais,
ouvindo os relatos de vida e de perdas; as demandas e violações provocadas pelas
empresas Samarco/ Vale/ BHP; assim como a atuação e as omissões das instituições
públicas na defesa dos sujeitos que tiveram seus direitos violados;
Conhecer as experiências de alternativas ao modelo de desenvolvimento pautado na
mineração industrial para exportação e as formas de resistência aos empreendimentos
mineradores e seus impactos.
Os participantes da Caravana foram acolhidos por atingidas/os de Bento Rodrigues e Paracatu
de Baixo em suas residências provisórias, proporcionando um momento de diálogos e trocas
diretas e solidárias.
A rota partiu simbolicamente da Praça Minas Gerais ou Praça das Duas
Igrejas, em Mariana, marco do contraste entre a riqueza do ciclo do ouro e a exploração do
trabalho escravo no período colonial.
Na Comunidade do Morro da Água Quente, observamos os impactos da mineração ativa e a
ameaça de uma mina abandonada, assim como ouvimos relatos de luta e resistência das
mulheres frente à mineração da Vale e seus projetos em operação e expansão.
No segundo dia, a rota esteve em Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, locais devastados pela
lama de rejeitos da barragem de Fundão, onde dialogamos com moradoras atingidas a
respeito do território; dos impactos e traumas na vida; das inúmeras perdas, violações e os
sofrimentos; da relação com a empresa e o Estado; e dos processos de luta por direitos.
Em
contraponto, experiências de produção orgânica e de pequenos pecuaristas foram elucidadas,
demonstrando outras formas de desenvolvimento local, geração de renda e de economia.
Vimos o papel das mulheres na construção das resistências e alternativas.
No terceiro dia, aprofundamos o diálogo com moradoras/es atingidas/os na cidade e na zona
rural de Barra Longa. Em audiência pública sob a coordenação do MAB (Movimento dos
Atingidos por Barragens) e a presença dos Ministérios Públicos Estadual e Federal, ouvimos
relatos de denúncias, violações e sofrimentos. Também visitamos a comunidade de Gesteira
devastada pelo rejeito, onde uma moradora retratou a difícil condição dos atingidos e suas
demandas.
Finalmente, no quarto dia, visitamos experiências das Escolas Família Agrícola (EFAs) Acaiaca e
Sem Peixe, onde debatemos a importância e influência de uma Educação do Campo para a
transformação das vidas e das práticas agrícolas, como de outras formas de desenvolvimento
socioterritorial rural.
Nos encontramos também com a Rota 2 na barragem da Usina
Hidrelétrica Risoleta Neves, mais conhecida como Usina de Candonga. Lá, ouvimos os relatos
de companheiros do MAB e do movimento negro que participaram da luta da comunidade
atingida de Soberbo, compulsoriamente deslocada pela construção da barragem entre 2001 e
2004, e que luta por direitos até hoje.
A Rota 2 da Caravana visitou as regiões do Alto Rio Doce – vales dos rios Piranga e Casca – que
não foram atingidas pelo rejeito da barragem, muito embora a tragédia-crime também tenha
influenciado a região. Por exemplo, os peixes que sobem o rio na piracema para se reproduzir
não estão sobrevivendo ao rio com rejeito, o que compromete os ciclos reprodutivos do rio e a
produção alimentar como um todo.
Diferentemente das outras rotas, a Rota 2 teve como objetivo central ressaltar os principais
anúncios nesse trajeto da bacia do Rio Doce, como as diversas experiências de recuperação de
nascentes e rios; de agricultura agroecológica; de saneamento rural com fossas sépticas
construídas pelas comunidades; da potência das Escolas Família Agrícola (EFA) e dos projetos
de extensão.
Fomos cerca de 40 caravaneiros, homens, mulheres e jovens percorrendo as
cidades de Desterro de Melo, Paula Cândido, Araponga, Viçosa, Ponte Nova e culminando em
Governador Valadares.
Iniciamos a caravana em uma reunião na no salão Paroquial de Desterro de Melo, a convite do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais.
Nesta reunião fomos informados da luta dos
agricultores/as familiares do município contra a Brasilflowers, uma empresa alemã que
produzia, no município, rosas para exportar com muito uso de agrotóxicos e contaminavam os
trabalhadores e, em especial, as trabalhadoras. O preparo das flores era responsabilidade
principalmente das mulheres, estas se machucavam nos espinhos e a contaminação era maior.
Em uma luta em cooperação com o SUS (Sistema único de Saúde) e profissionais da saúde do
trabalhador, a empresa deixou de operar no município. Durante esta luta os agricultores
iniciaram os trabalhos de homeopatia que marcaria a região.
No segundo dia visitamos a nascente do Rio Xopotó, uma das nascentes mais distantes da foz
do Rio Doce. Na nascente fizemos uma bela mística, homeopatizamos e energizamos a água do
Rio com a intenção de cura e revitalização. Lá observamos que a nascente é parcialmente
cercada, que há ainda muitos problemas no manejo do pasto com braquiária e alguns topos de
morros ainda precisam ser revegetados. Em seguida visitamos a propriedade de Sr. Joaquim e
Dona Ereni que percebem a partir da Homeopatia e da Agroecologia a possibilidade de um
novo modelo de desenvolvimento que abrange valores e saberes que respeitam o meio em
que vivem. Ainda no segundo dia fomos recebidos à noite no salão paroquial em Paula
Cândido pelo grupo de Congado da comunidade Quilombola Córrego do Meio e por pastorais e
grupos religiosos.
No terceiro dia, nos dividimos em três grupos e visitamos Córrego do Meio,
onde pudemos ver a luta de resistência e titulação da terras da comunidade quilombola,
resistência esta fortalecida pelo grupo de congado da comunidade; a experiência de auto-organização
da comunidade de São Mateus para a construção de fossas sépticas; e a
comunidade do Morro do Jacá, com uma experiência de resistência às violências decorrentes
do projeto do mineroduto da empresa Ferrous.
A luta foi apoiada por uma coalisão mais
ampla, a Campanha pelas Águas e Contra o Mineroduto, que luta para impedir a construção do
mineroduto articulando inúmeras comunidades, cidades, organizações e movimentos sociais.
Graças à luta de comunidades como Paula Cândido e Viçosa, em ação conjunta com grupos da
Universidade Federal de Viçosa (UFV), o mineroduto não foi construído até o momento. No
dizer de um dos participantes, em Paula Cândido e Viçosa “o mineroduto dobrou”.
Em Araponga o grupo se dividiu novamente em dois para conhecer as experiências
agroecológicas da EFA Puris e da família do Sr. Paulinho e Dona Fia.
Vimos o engajamento e
aprendizado de jovens na recuperação de nascentes, na produção agroecológica de alimentos;
e na construção de fossas que viabilizam o saneamento rural, mostrando a importância e
efetividade das EFAs e dos projetos de extensão. Com seu Paulinho tivemos uma aula de
sabedoria e técnicas agroecológicas de um camponês que participa do projeto "Plantadores de
Água" na recuperação das nascentes. Há mais de 20 anos ele constrói a agroecologia na região
e fez parte da Conquista em Conjunto de Terras, uma “reforma agrária” desenvolvida pelos
próprios agricultores.
A família recuperou uma nascente através da recomposição dos
agroecossistemas locais, com a diversidade de plantios, incluindo sistemas agroflorestais com
café e pastagem sombreada, o fim das braquiárias e o plantio de capim gordura, que permite
uma pastagem menos agressiva e mais adequada à infiltração de água nos solos. Como nos
disse Paulinho, “uma esperança num mundo consumista” que desconsidera e destrói a
natureza.
Em Viçosa, o grupo se reuniu no Seminário “Mineração na Bacia do Rio Doce: Impactos,
Conflitos e Resistências”, na Universidade Federal de Viçosa. Foram debatidos temas como a
contaminação da Bacia do Rio Doce; as origens da tragédia-crime da mineração na lógica
destrutiva de aumentar a produção em busca de lucros, mesmo em tempos de queda dos
preços do minério de ferro; e dos impactos sobre a vida do Rio Doce e espécies ameaçadas de
extinção.
Aprendemos que a degradação e contaminação por metais pesados como o arsênio
no rio Doce é anterior ao desastre crime, e que provavelmente já estava relacionada à
atividade mineradora na região. Novos estudos estão sendo feitos após o crime para averiguar
seus impactos. Dormimos no CTA (Centro de Tecnologias Alternativas) que há
aproximadamente 30 anos constrói a agroecologia na região.
Em Ponte Nova a caravana visitou o encontro do Rio Piranga com o Rio Carmo formando o rio
Doce. Sofremos então o impacto de ver pela primeira vez na rota o rio marrom poluído pelo
rejeito da tragédia. Junto com as pessoas da rota 1 vimos a represa de Candonga - de
propriedade de um consórcio com a participação da Vale para produzir energia elétrica para o
setor mínero-siderurgico, represa esta assoreada pelo rejeito.
Como a violação de direitos é
um padrão comum dos empreendimentos, ouvimos também o relato da luta da comunidade
de Soberbo, contra medidas tecnocráticas que impuseram o deslocamento forçado em 2004, e
que se arrasta até hoje. A tarde houve um seminário no salão paroquial para discutirmos com
sindicalistas, trabalhadoras da reciclagem e representantes do saneamento local, dentre
outros, iniciativas de recuperação do rio Piranga envolvendo o NECAD e a Prefeitura de Ponte
Nova. A partir disso, nos deslocamos para Governador Valadares (MG).
A Terceira rota da caravana partiu de Governador Valadares no dia 11 e durante quatro dias
circulou pela região do Médio Rio Doce. Fomos 30 pessoas participando da rota em todos os
momentos: estudantes, professores/as universitários/as, agricultores/as, jovens dos
assentamentos de Reforma Agrária, técnicos/as, representantes de movimentos sociais
variados, sindicalistas, integrantes de grupos de Economia Solidária, dentre outros.
Passamos por seis municípios e oito comunidades visitadas. A cada parada, o número de
participantes crescia, com mais de 200 pessoas envolvidas nas atividades promovidas pela
caravana, incluindo parceiros locais e militantes de diferentes movimentos sociais que se
integravam. Ao longo da rota, visitamos comunidades rurais; uma aldeia indígena Pataxó;
experiências de cozinha e padaria comunitárias; escolas; estação de tratamento de água (ETA);
acampamento do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e assentamentos de
Reforma Agrária.
A Rota teve foco nos afluentes do Médio Rio Doce, trazendo a perspectiva da interligação
entre os acontecimentos relativos à tragédia-crime de Mariana e o modelo de
desenvolvimento imposto na região.
Vários empreendimentos têm gerado graves problemas
de manutenção dos recursos hídricos - como por exemplo, a instalação de barragens para
geração de energia elétrica, a construção do mineroduto da mineradora Manabi e a expansão
da monocultura de eucalipto. Soma-se a isso a degradação ambiental que vem ocorrendo ao
longo de muitos anos nas margens dos rios, topos de morro e nascentes, e que colaboram
para o assoreamento dos rios e a redução drástica na oferta do pescado e da água - tanto
potável como a utilizada nas atividades agrícolas.
Por outro lado, a agricultura familiar e as experiências de agroecologia e de organização
comunitária visitadas vêm trazendo propostas e revelando anúncios de outro modelo possível
de desenvolvimento.
Por exemplo, estivemos no assentamento 1º de Junho, com 22 anos de
existência, o primeiro da região do vale do Rio Doce. Lá violeiros e cantoras fizeram a recepção
com modas que falam da luta pela reforma agrária e a conquista de um pedaço de terra para
viver. Os estudantes primários da Escola 1º de Junho realizaram uma emocionante mística de
abertura, onde as crianças foram atingidas pela lama, simbolizando o crime e recitaram a
canção "Cacimba de Mágoa": "O sertão virar mar, é o mar virando lama/ Gosto amargo do Rio
Doce de Regência à Mariana". Mais tarde seguimos para a área do agricultor e guardião de
sementes, Roberto Antônio Luz, que demonstrou diversas técnicas de cultivo agroecológico
que não matam as bactérias, insetos e pássaros que exercem uma importante função
ecológica na polinização, dispersão e preservação, que mantêm o patrimônio genético e a
biodiversidade.
Em Açucena fomos recebidos pelos agricultores familiares, poetas, artesãos e cantores locais
que contaram da realidade de ameaças ao território com a construção do mineroduto da
Manabi e os impactos nos recursos hídricos pelas barragens no rio Corrente. Em Cachoeira
Escura, Belo Oriente, visitamos a Estação de Tratamento de Água (ETA), e pudemos conhecer
as etapas do processo de tratamento da água captada do Rio Doce que abastece a cidade.
Neste momento foi importante perceber que as opiniões sobre a qualidade da água são
bastante distintas. Enquanto os funcionários da Samarco que nos acompanharam reforçavam
uma avaliação positiva sobre a qualidade da água, os moradores denunciavam doenças de pele
e estômago que começaram a aparecer na população a partir da contaminação da tragédia crime.
Em Ipatinga, a caravana foi acolhida pela Escola Municipal Arthur Bernardes, onde ocorreram
rodas de conversa com professores, estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA Rural) e
do PROJOVEM, durante a noite.
Em Tumiritinga conhecemos a propriedade de Seu Luiz e Dona Eva. O casal vive no
Assentamento Cachoeirinha há mais de 20 anos onde cultivam hortaliças, frutas e uma
variedade de plantas de maneira agroecológica, e também criam peixes.
A produção de
hortaliças era vendida para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Desde
novembro com a tragédia-crime sua produção foi reduzida drasticamente, pois não podem
mais usar a água do rio pra irrigação. Segundo D. Eva, as plantações de abacaxi, cana e coco
estão morrendo sem água, e conseguiram manter apenas uma, das quatro hortas, com
irrigação de água de poço. Os rejeitos alcançaram seus tanques de criação, matando mais de
seis mil peixes. O casal tem dificuldade de sobreviver apenas com o cartão oferecido pela
Samarco/Vale e teme a sua interrupção.
Por fim, a Quarta rota da Caravana partiu de Vitória no dia 12 de abril e, durante três dias,
circulou pela região do Baixo Rio Doce, percorrendo desde a foz, localizada na Vila de Regência
(ES), até Governador Valadares (MG). Começamos a rota com 20 pessoas e à medida que
subíamos o rio, mais caravaneiros foram se agregando, como estudantes, professores/as
universitários/as, agricultores/as, pescadores (as), lideranças indígenas Tupiniquim, Botocudo
e Guarani, lideranças comunitárias, moradores/as dos assentamentos da Reforma Agrária,
representantes de movimentos sociais, jornalistas de mídias alternativas, cidadãos indignados
com a situação, surfistas e pessoas que vivem do turismo na região, dentre outros.
Ao longo da Rota, visitamos a Vila de Regência Augusta; as comunidades de pescadores de
Maria Ortiz (Colatina-ES) e Mascarenhas (Baixo Guandu-ES); o Assentamento do MST “Sezínio
Fernandes” (Linhares-ES); e a Terra Indígena Krenak (Resplendor-MG). Ao todo, percorremos
quatro municípios e entramos em contato com centenas de pessoas que se envolveram nas
diversas atividades realizadas.
Em Regência e Colatina, realizamos atos em praças públicas com a apresentação de um
documentário produzido pela equipe da Rota, e microfone aberto para as comunidades
exporem suas dificuldades e denúncias acerca do crime. A visita a Maria Ortiz revelou uma
comunidade sufocada entre os trilhos do trem de minério da Vale e o rio contaminado pela
lama tóxica.
Na comunidade de Mascarenhas, sentimos o sofrimento dos pescadores/as, que
além de ter perdido a principal fonte de existência (o pescado do rio), são submetidos/as à
vigilância permanente das câmeras de segurança da Usina Hidroelétrica Mascarenhas e à
criminalização no período de defeso da pesca, o que torna evidente a crueldade a que pode
chegar tal descaso e abandono.
No Assentamento do MST “Sezínio Fernandes”, foi-nos
relatado como a polícia atuou com violência quando a comunidade buscava proteger as lagoas
da contaminação vinda com a lama tóxica e foi duramente reprimida com balas de borracha e
bombas de gás.
Nossa última passagem nessa rota foi pela Terra Indígena Krenak, onde o rio, além da
importância econômica e de subsistência, também tem um profundo sentido ancestral e
espiritual para o modo de vida indígena, presente nos rituais de batismo das crianças, por
exemplo, que não podem mais ser realizados no rio.
Revelou-se diante de nós uma grave e
inaceitável violação de autodeterminação de um povo, que fere a Convenção 169 da OIT
(Organização Internacional do Trabalho) Sobre Povos Indígenas e Tribais (promulgada em 1989
e ratificada pelo Estado Brasileiro em 2002). Segundo Andrea Krenak, “o rio faz parte de nós,
da nossa cultura, é como se tivessem tirado um parente nosso”.
Finalmente no dia 14 à noite chegamos os caravaneiros/as de todas as rotas em Governador
Valadares e fomos recebidos com uma plenária no Assentamento Oziel Alves. Graças à
hospitalidade dos assentados e assentadas comemos e dormimos no assentamento até o dia
17.
No dia 16, nos reunimos na Praça dos Pioneiros em Governador Valadares para, junto com
a população da cidade, conhecermos as experiências da Caravana através do giro pelas
instalações artísticas pedagógicas construídas pelas quatro rotas. Vimos fotos, sapatos e rádios
de carro enlameados, cartilhas e cartazes de protesto e convocação, sementes crioulas,
alimentos agroecológicos, exemplares da flora nativa, garrafas com águas das nascentes e do
rio poluído, redes de pesca amarronzadas pela lama, símbolos da destruição, de denúncias e
anúncios, explicados pelos companheiros e companheiras de cada rota.
Em seguida houve
uma mesa com representantes da Comissão de Criação do Fórum Permanente de Entidades
em Defesa da Bacia do Rio Doce, do povo Krenak, do Ministério Público Federal e um
representante das universidades e grupos de pesquisa envolvidos na Caravana, seguido de
microfone aberto com a participação das pessoas que estavam na praça acompanhando o
debate.
Durante a construção da Caravana Territorial uma densa rede de comunicadores/as foi tecida
a partir do esforço das organizações e grupos. Essa articulação envolveu instituições de
pesquisa, redes nacionais e regionais, movimentos sociais, mídias populares e jornalistas
independentes.
Juntos construíram estratégias e canais de comunicação que buscaram
garantir uma comunicação plural, dialógica e horizontal que visibilizasse a diversidade de
anúncios e denúncias observados e vividos ao longo da Bacia do Rio Doce.
Juntou-se ao grupo
de comunicadores de Minas e do Espírito Santo, comunicadores do Rio de Janeiro, Recife, São
Paulo, Estados Unidos e Canadá.
A articulação deste grupo e a oficina preparatória de Comunicação, realizada em Governador
Valadares dia 24 de março, potencializou o registro sobre a diversidade de conflitos e
resistências à riqueza dos espaços de troca de saberes e práticas ao longo das quatro rotas da
caravana.
Revelar conflitos e violações de direitos e as injustiças socioambientais são
compromissos da comunicação popular e, neste processo, é notório o papel da mídia no
silenciamento das dores e denúncias do povo.
A mais de cinco meses da tragédia-crime são escassos e pontuais os espaços da grande mídia
dedicados a registrar que, de lá para cá, pouca coisa mudou.
Neste processo é imprescindível
denunciar o papel criminoso da Samarco/Vale/BHP que, através de campanhas publicitárias e
outros volumosos investimentos na contratação de agentes de comunicação social e assessoria
de imprensa, mantém uma atmosfera de desinformação e bloqueio desde o rompimento da
barragem.
Entendemos a comunicação como um direito do povo e a informação como
condição para participação e luta pelos direitos de todos aqueles que foram atingidos/as, e
intervenções para desinformar e silenciar precisam ser denunciadas e combatidas.
Na contramão desse processo predatório, muitas iniciativas estão pulsando pela Bacia do Rio
Doce buscando garantir o diálogo, o acompanhamento e a comunicação entre as famílias, com
as organizações e as redes nacionais e internacionais.
A Caravana constitui um coletivo de
comunicadores que segue comprometido com a sistematização e a visibilização dos registros,
das denúncias e anúncios em suas múltiplas linguagens. Seguir na organização dessas
informações e na construção de estratégias de diálogo com a sociedade será condição
imprescindível para que não se esqueça o crime.
A Caravana apontou inúmeras violações e denúncias, mas também anúncios, reinvindicações e
propostas de encaminhamentos. A seguir apresentamos uma sistematização realizada ao
longo da Caravana.
Violações:
1. Destruição da natureza: dos rios, contaminação da água, do ar, do mar, das florestas,
com a morte de animais silvestres e domésticos;
2. Destruição e perda do patrimônio cultural material e imaterial;
3. Destruição de vidas humanas, bens materiais e imateriais, acabando com sonhos,
formas de geração de renda, de produção de alimentos e modos de vida;
4. Violação do Direito à preservação da memória e identidade das comunidades e povos da
Bacia do Rio Doce;
5. Deslocamentos compulsórios e Violação do Direito à manutenção dos vínculos de
sociabilidade e laços comunitários e familiares;
6. Violação do Direito à Moradia;
7. Violação do Direito ao Trabalho;
8. Violação do Direito à Informação;
9. Fragmentação de comunidades e Violação do Direito à Organização Popular;
10. Violação do direito à autodeterminação dos povos e comunidades tradicionais
(garantido pela Convenção 169 da OIT Sobre Povos Indígenas e Tribais);
11. Violação do Direito à Participação das Comunidades e Povos Atingidos na tomada das
decisões;
12. Violação do Direito de acesso à água de qualidade;
13. Violação do Direito à Saúde;
14. Violação do Direito à Segurança e Soberania Alimentar (garantido pela Lei Orgânica de
Segurança Alimentar e Nutricional, de 2006);
15. Traumas psicológicos graves como depressão, inclusive com tentativas de suicídio,
tristeza e brigas familiares e comunitárias;
16. Violências físicas, sexual, psicológica e moral sobre as mulheres atingidas.
Denúncias:
1. A tragédia-crime do rompimento da barragem de Fundão e todos os crimes que
continuam acontecendo no contexto do modelo extrativista capitalista reforçam a
prática secular de racismo ambiental, que tem sua expressão mais radical na violência
sobre populações negras e povos tradicionais, como é o caso das populações de Bento
Rodrigues, Paracatu de Baixo e Barra Longa.
2. O caráter sexista da sociedade também reproduz efeitos desiguais no contexto da
tragédia crime, afetando em maior grau as mulheres, que inclusive são menos
ressarcidas.
3. Casos de estupro, aumento da violência contra as mulheres e da prostituição foram
relatados nos municípios onde se concentram os trabalhadores das obras de
contenção da Samarco/ Vale / BHP.
4. A Samarco/ Vale / BHP está dificultando e não vem cumprindo com os acordos
preestabelecidos com os atingidos, e nem todos atingidos estão recebendo os
ressarcimentos acordados, com destaque para as mulheres.
5. A população da Bacia do Rio Doce tem sido cerceada, por parte da Samarco/ Vale /
BHP e do poder público, do acesso à informação, à participação e à decisão nos
acordos, nas medidas compensatórias, preventivas e emergenciais, e nos destinos das
comunidades atingidas.
6. A Samarco/ Vale / BHP não vem negociando com os movimentos sociais e abandonou
diversos espaços de negociação coletiva, visando promover acordos individuais e
desiguais.
7. Os atingidos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo estão sendo tratados com
preconceito e discriminação na cidade de Mariana (MG), para onde foram
compulsoriamente deslocados.
8. A população que vive na Bacia do Rio Doce não confia nas informações fornecidas por
instituições públicas e privadas a respeito da potabilidade da água do Rio para
consumo humano e utilização produtiva. A população que é abastecida com a água
captada no Rio relata coceiras na pele e processos alérgicos.
9. Nas cidades que captam água exclusivamente do Rio Doce – como Belo Oriente (MG),
no distrito de Cachoeira Escura, Governador Valadares (MG) e Colatina (ES) – os
técnicos afirmam que a água tratada atende a todos os parâmetros de potabilidade da
água estabelecidos pelo Ministério da Saúde, mas ignoram a Resolução nº 357/2005
do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), que dispõe sobre a classificação
dos corpos d’água e as diretrizes para seu enquadramento e captação para o
abastecimento humano.
10. Fragmentação das comunidades por parte da Samarco, que utiliza seletividade e
cooptação das lideranças para escolher os beneficiários e dificultar a articulação
conjunta.
11. Pescadores que não recebem auxílio estão sem fonte de renda e aqueles que recebem
denunciam que o valor é insuficiente e abaixo do que geravam com a pesca.
12. Alguns pescadores continuam pescando e se alimentando de peixes contaminados.
Outros foram obrigados a modificar radicalmente seus hábitos alimentares.
13. A população em geral se sente insegura em relação à qualidade do pescado, seja no rio
ou no mar, tendo em vista a contradição entre laudos técnicos de diferentes
instituições e órgãos públicos.
14. Perda de lavouras e de patrimônio genético da agrobiodiversidade, assim como
contaminação de alimentos na região atingida, em decorrência da contaminação da
água, dos solos e do lençol freático em toda a Bacia do Rio Doce.
15. Aumento das tarifas de água, e transmissão do custo do “tratamento” para os
atingidos.
16. Lideranças de toda a Bacia do Rio Doce estão sofrendo retaliações, perseguições e
ameaças por participarem das mobilizações contrárias ao crime. Nas quatro rotas da
Caravana e na culminância sofremos intimidações da Polícia Militar. As forças de
repressão do Estado estão atuando mais em defesa dos interesses da
Samarco/Vale/BHP do que em defesa dos direitos das comunidades atingidas e de
suas organizações coletivas.
17. Denunciamos o não cumprimento dos direitos dos povos e comunidades tradicionais
garantidos pela Convenção 169 da OIT sobre os Povos Indígenas e Tribais.
18. Exploração privada de água mineral dentro do Parque Estadual Sete Salões, em
Resplendor (MG) – que se encontra dentro do território tradicionalmente ocupado
pelo povo indígena Krenak.
19. Prejuízo ao turismo em Regência, devido a dúvidas em relação a qualidade da água do
mar para o surf. As ondas de Regência estão entre as 10 melhores do país para a
prática do surf.
20. Em toda a Bacia do Rio Doce vem aumentando os casos de doenças e epidemias, com
destaque para as doenças psicológicas geradas pela tragédia-crime.
21. A mineração do passado e do presente causa danos irreparáveis à vida, à saúde das
pessoas e ao ambiente, e ameaça as condições de vidas futuras, em decorrência dos
graves impactos sobre a água.
Anúncios:
1. Há uma diversidade de experiências de Educação Popular e Educação do Campo, como
as das Escolas Famílias Agrícolas, das Escolas de Assentamento e Educação Indígena
que precisam ser fortalecidas e ampliadas.
2. Há uma grande variedade de experiências de Economia Popular Solidária que
promovem a segurança alimentar, a geração de renda e a autonomia das mulheres,
respeitando características culturais e hábitos alimentares da região. São experiências
de cooperativismo, associativismo e auto-organização de grupos comunitários que
apontam novos horizontes de sentido para as economias locais e municipais.
3. Há uma infinidade de experiências agroecológicas ao longo de toda a Bacia do Rio
Doce: manejo e preservação da agrobiodiversidade, práticas populares de cuidado em
saúde, proteção e recuperação de nascentes, manejo ecológico dos solos, feiras da
agricultura familiar, proteção e conservação das sementes e variedades crioulas,
práticas de homeopatia, experiências de saneamento rural, dentre tantas outras
iniciativas. Agroecologia é Vida!
4. As diferentes comunidades, povos, grupos, organizações e coletivos – como povos
indígenas, trabalhadores/as rurais, assentados/as da reforma agrária, pescadores/as,
quilombolas, atingidos pela mineração, atingidos por barragem, atingidos pela
ferrovia, ribeirinhos, igrejas, escolas, surfistas, moradores das cidades – impactados
pela tragédia-crime estão em resistência frente às várias violações que continuam
acontecendo e não reconhecem o acordo firmado entre os diferentes governos e a
Samarco/Vale/BHP. As mulheres têm protagonizado muitas destas experiências de
luta e todas as organizações devem garantir a paridade de gênero em todos os
espaços.
Reivindicações/Encaminhamentos:
1. Interromper a captação de água do Rio Doce para o abastecimento dos municípios
atingidos e garantir fontes de água alternativa e segura, com a retomada de obras
como as adutoras em Colatina.
2. Produção de laudos confiáveis que comprovem a real situação da água fornecida, sem
interferência das empresas responsáveis pela tragédia / crime.
3. Acesso amplo e irrestrito às informações sobre os impactos da tragédia/crime e os
encaminhamentos jurídicos;
4. Apuração da repressão policial e responsabilização pela violência cometida aos
camponeses/as do Assentamento do MST “Sezínio Fernandes”, em Linhares (ES),
quando se manifestavam em defesa das suas lagoas contra a contaminação.
5. Promover estudos e análises, de forma independente e com amplo protagonismo das
populações camponesas e ribeirinhas, sobre o potencial do Complexo Lagunar de
Linhares como possível berçário reprodutor de espécies do Rio Doce, com o intuito de
repovoar suas águas e garantir a permanência da pesca na região;
6. Demarcação e/ou ampliação das terras indígenas, demandadas pelos povos Krenak
(Parque Estadual Sete Salões) e Pataxó (Parque Estadual do Rio Corrente).
7. Garantir o auxílio emergencial a todos os atingidos da bacia, reconhecendo a
pluralidade destes sujeitos: pescadores, agricultores, ribeirinhos, comerciantes,
mulheres, etc.
8. Participação ativa das comunidades atingidas na construção do plano de reparação e
recuperação, e na escolha do novo local onde serão realocadas as comunidades.
9. Responsabilização criminal e punição da Samarco/Vale/BHP e das instituições públicas
que têm atuado de acordo com os interesses da empresa e não das populações,
comunidades e povos atingidos.
10. O acordo firmado entre os diferentes governos e a Samarco/Vale/BHP não pode ser
homologado e precisa ser revisto com ampla participação da população, comunidades
e povos impactados.
Os criminosos não podem decidir quem são os atingidos e como
reparar os danos!
A Caravana foi uma rica experiência com anúncios e denúncias com vários pontos em comum.
Revelou como, mesmo num contexto extremo de vulnerabilidade, as comunidades se
organizam na luta por direitos, por justiça socioambiental, contra a violência, por autonomia e
pela construção de uma sociedade mais solidária, agroecológica e saudável, que respeita a
natureza, a democracia e a autodeterminação dos povos.
Aprendemos que através da luta e organização popular, as tragédias e as denúncias também
permitem o germinar dos anúncios. As lutas que se apresentam não apenas contra a
mineração e sua infraestrutura, mas contra a construção de barragens sem a garantia de
direitos; contra os monocultivos que agridem os ecossistemas; contra os agrotóxicos que
envenenam e matam; contra a falta de saneamento básico no campo e nas cidades que faz
adoecer as comunidades e polui os rios. Todos são problemas enfrentados cotidianamente, e
dessas lutas, que aliam o conhecimento tradicional, camponês e popular, com o apoio de uma
ciência da vida e não da morte e da omissão, florescem inúmeras experiências que
constatamos em várias comunidades que visitamos.
A Caravana também revelou o protagonismo das mulheres nos processos de luta e resistência.
Os laços comunitários e a solidariedade como princípio que as organiza são historicamente
construídos por elas mesmas e o reconhecimento do seu protagonismo na formulação e
construção de alternativas ao modelo de desenvolvimento é essencial para que se fortaleçam
as experiências de resistência. Como consequência da divisão sexual do trabalho, que
invisibiliza as mulheres e o cuidado que elas exercem em atividades como o cultivo de hortas
agroecológicas, o trabalho doméstico e o cuidado com saúde da família, os impactos se
expressam de forma mais contundente sobre elas: as mulheres.
Somos contra o acordo celebrado pelos governos federal e estaduais de Minas Gerais e do
Espírito Santo e as empresas responsáveis pela tragédia-crime que, firmado à portas fechadas
e sem a participação dos atingidos e da sociedade, querem fugir das responsabilidades civis,
criminais e financeiras, e querem controlar os investimentos sociais e de recuperação do Rio
Doce, sem ferir os interesses da mineração e desse modelo perverso e assassino de
desenvolvimento.
Nós, da Caravana, nos comprometemos para que os processos e produtos de nossa Caravana
permaneçam na memória coletiva da tragédia-crime, nas denúncias das violações cometidas
contra direitos fundamentais, na responsabilização das empresas e organizações omissas, e no
anúncio das transformações que apontam para a recuperação do rio e de uma sociedade mais
justa e solidária, com processos econômicos e produtivos que respeitem as pessoas,
comunidades, os povos e a natureza.
Produziremos e circularemos relatórios, fotos, filmes,
materiais didáticos, informativos, dossiê de violação de direitos para divulgação internacional,
participação e circulação em lutas, tribunais populares. Seguiremos juntos nessa luta, tão
importante para as comunidades atingidas de Minas Gerais e Espírito Santo, e também para o
país e o planeta que precisam de uma grande transformação, com pequenas e grandes ações.
Somos todos pela luta da Reforma Agrária e da Agroecologia, somos todos juntos pelas lutas
contra a violação dos direitos das inúmeras comunidades atingidas e pelas transformações que
trarão dignidade e esperança na recuperação da Bacia do Rio Doce e na construção de outra
sociedade e modelo de desenvolvimento.
Não há recuperação do Rio Doce sem os Povos do Rio Doce!
O futuro do Rio está com a sua
gente!
Somos todos Rio Doce!
Somos todos atingidos!
Governador Valadares, 16 de abril de 2016.
Construíram e participaram da Caravana:
ABA – Associação Brasileira de Agroecologia
ABRASCO – Associação Brasileira de Saúde Coletiva
AGB – Associação de Geógrafos Brasileiros, seção local Vitória, Niterói, Rio de Janeiro e Viçosa
AMA – Articulação Mineira de Agroecologia
AMEFA – Associação Mineira das Escolas Famílias Agrícolas
ANA – Articulação Nacional de Agroecologia
Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo
ASA – Articulação do Semiárido
Associação Comunitária das Nascentes e Afluentes da Serra do Caraça
Associação de moradores de Regência
Associação de Pescadores de Anchieta
Associação de Pescadores de Maria Ortiz -
Colatina
Associação dos Pescadores de Barra do Riacho
Bem TV
Brasil de Fato
Brigadas Populares
Cáritas Brasileira
Cáritas Diocesana de Governador Valadares;
CAT – Centro Agroecológico Tamanduá;
Coletivo Repentistas do Desenho
Comboio Agroecológico do Sudeste
Comunidade de Areal (Regência)
Comunidade de Entre Rios (Regência)
Comunidade de Mascarenhas - Baixo Guandu
CPT – Zona da Mata – Comissão Pastoral da Terra – Zona da Mata
CTA-ZM – Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mara
Diocese de Colatina – ES
Diocese Mariana
DPES - Defensoria Pública do Espirito Santo
ECOA – Núcleo de Educação no Campo e Agroecologia UFV
EFA Paulo Freire – Escola Familiar Agrícola Paulo Freire
EFA Puris - Escola Familiar Agrícola Puris
EFA Serra do Brigadeiro – Escola Familiar Agrícola Serra do Brigadeiro
FETAEMG-GV – Federação Dos Trabalhadores da Agricultura do Estado de Minas Gerais
Fórum Capixaba de Entidades em Defesa do Rio Doce
Fórum Mineiro de Economia Popular Solidária
Fórum Regional de Economia Solidária de Governador Valadares.
Gesta-UFMG
Grupo de Pesquisa Tramas – UFCE
IBASE
Igreja Presbiteriana
Indígenas Guarani
Indígenas Krenak
ITCP-UFV – Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares
Levante Popular da Juventude
LICENA- UFV – Curso de Licenciatura em Educação do Campo
MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens
MAM - Movimento pela Soberania Popular na Mineração
MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
NAGÔ – Núcleo de Agroecologia de Governador Valadares – UFJF/GV
NEDET-São Mateus – Núcleo de Desenvolvimento Territorial
OCCA/UFES – Observatório de Conflitos no Campo/Universidade Federal do Espirito Santo
ORGANON – Núcleo de Estudo, Pesquisa e Extensão em Mobilizações Sociais - UFES
POEMAS-UERJ
Rádio Brota.
Secretaria Estadual de Saúde MG
SEMA – Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Agricultura e Abastecimento de Governador
Valadares
SHIVA – Serviço Humanitário Informação Vida e Arte - Colatina
Sindibancários ES – Sindicato dos Bancários do Espirito Santo
SINDUTE MG (Subsede Ouro Preto e região) – Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação
de Minas Gerais
SISPMC – Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Colatina - ES
STR-GV – Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Governador Valadares
TV CARAVELAS
UFJF-GV – Universidade Federal de Juiz de Fora-Campus Governador Valadares.