segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

A corrupção está no ar. Texto copiado do Blog do Intervozes.

Por Pedro Ekman em 21/01/2013 na edição 782. Reproduzido do blog do Intervozes, na Carta Capital, 14/1/2014; intertítulo do OI.
A privatização dos recursos públicos e comuns a todos os cidadãos é uma proposta sempre presente em programas políticos de direita. A alegação é de que um gerente que precise obter lucro em suas operações naturalmente vai manejar os recursos de toda a sociedade da forma mas eficiente. A suposta eficiência inerente ao processo de acúmulo de capital impediria a corrupção, pois diminuiria o lucro.
Essa forma de ver a sociedade estabelece comodamente a corrupção no setor da gestão pública e a eficiência no setor da gestão privada como se fossem coisas naturais e intrínsecas a cada forma de atuação. No Brasil, esse pensamento se tornou hegemônico, criando um sistema onde a notícia de formação de cartel bilionário de empresas privadas em obras de públicas não levam o nome de corrupção. O que não se diz é que elas estão corrompendo regras e violando o interesse público para obter vantagens privadas.
As ondas eletromagnéticas que carregam consigo os canais de rádio e TV aberta são recursos naturais finitos e, por isso, são geridas pelo Estado, em nome da sociedade brasileira, e não por uma corporação privada que representa apenas seus acionistas. Entretanto, a comunicação social de nosso país está absolutamente tomada pelo setor privado, o que é mantido com o argumento de que essa seria a forma mais eficiente de oferecer a melhor programação e conteúdos para a sociedade.
Você diria que a maneira mais eficiente de oferecer conteúdo de qualidade para uma cidade seria a de informar, ao longo de todo o dia, sobre o trânsito de veículos de outra cidade? O Ministério Público Federal também percebeu alguns furos nessa lógica e recomendou que o Ministério das Comunicações e a Anatel fiscalizassem 16 rádios comerciais localizadas na cidade de São Paulo, dentre elas a Sulamérica Trânsito. Esta, apesar de ser uma rádio da cidade de Mogi das Cruzes, transmite exclusivamente conteúdos sobre o trânsito da cidade de São Paulo.
De acordo com a lei, o deslocamento de antenas de uma cidade para outra só é permitido quando isso for necessário para munir a cidade de origem de um melhor sinal de rádio. O que ocorre, por exemplo, no caso do pico do morro mais alto da região estar em cidades vizinhas. Para que esse deslocamento seja autorizado, a empresa tem que garantir alguns requisitos básicos, como ter um estúdio principal e a maior parte de funcionários na cidade de origem; produzir a maior parte da programação nesse mesmo município; e, é claro, garantir que o sinal de fato chegue aos moradores da cidade para qual a empresa recebeu licença para funcionar. Mas a lógica incorruptível de se obter lucro levou os empresários da comunicação a deslocar a não apenas as antenas, mas também a programação, o estúdio e os funcionários para as cidades vizinhas, roubando dezenas de canais de rádios de municípios que não foram agraciadas com mercados tão robustos. Esses empresários “incorruptíveis” participam de licitações a baixo custo em cidades menores e acabam recebendo canais que custariam bem mais nos lugares onde de fato as rádios estão instaladas.
Governo omisso
Em relatório da Anatel produzido, a partir da recomendação feita pelo MPF, sobre as rádios fiscalizadas que deslocaram suas antenas na grande São Paulo, apenas 16 não cumpriam os requisitos básicos para tal. São elas: Bandeirantes (FM 90,9) de Itanhaém, Sulamérica Trânsito (FM 92,1) de Mogi das Cruzes, Nativa (FM 95,3) e Mix (FM 106,3) de Diadema, Tupi (FM 104,1) de Guarulhos, Terra (FM 97,3) de Atibaia, Sê tu uma benção (FM 98,1) de Itatiba, Expressão (FM 106,9) e Scalla (FM 102,1) do Arujá, 89 (FM 89,1) e Alpha (FM 101,7) de Osasco, 106 Love (FM 105,7) e Tropical (FM 107,9) de Itapecerica da Serra, Energia 97 (FM 97,7) e Rede Aleluia de rádio (FM 99,5) de Santo André e Vida (FM 96,5) de São José dos Campos.
Nenhuma dessas rádios atende plenamente aos requisitos mínimos estabelecidos pela lei. Nem mesmo o suposto objetivo fim do deslocamento da antena se verifica, pois apenas duas rádios fazem seu sinal chegar ao local de origem da licença e, mesmo assim, com programas inteiramente produzidos em outra cidade. E como essas empresas conseguiram burlar por tanto tempo a lei? Algum funcionário público recebeu propina para não ver as irregularidades? Não, desta vez a corrupção está centralmente no setor privado. O Estado, por sua vez, omite-se completamente de fiscalizar o cumprimento das regras que visam a preservar o interesse público, pois uma única fiscalização revelou todo o problema.
O Ministério das Comunicações e a Anatel simplesmente não se sentem na obrigação de fiscalizar as empresas privadas. Eles só o fazem se provocados pelo MPF ou por outro organismo independente. Segundo a coordenadora do Grupo de Trabalho de Radiodifusão Comercial do Ministério das Comunicações, Denise de Oliveira, isso acontece para evitar a caracterização de perseguição política. Em outras palavras, para evitar constrangimentos entre os donos da mídia e o governo. Com essa postura, cidades inteiras passam décadas sem usufruir de um recurso natural que lhes é de direito.
O relatório da Anatel recomenda um prazo de 270 dias para correção das irregularidades sob pena de suspensão do serviço. Um prazo generoso e bem diferente ao dado para as rádios comunitárias irregulares, que têm seus equipamentos apreendidos e seus integrantes presos por tentar se comunicar. Para elas, não há qualquer prazo para defesa ou adequações. Duas das rádios comerciais citadas no relatório da Anatel obstruíam a fiscalização impedindo sua conclusão. Até agora, não se tem notícia de que a Polícia Federal tenha sido acionada para intervir.
O governo precisa fazer a sua parte e deixar de ser omisso. O MPF já enviou nova recomendação pedindo que a fiscalização realizada em São Paulo se repita em todo o país, a começar pelas capitais. Cabe ao Ministério das Comunicações a decisão de defender o interesse público ou de se juntar aos demais, no banco dos réus.
***  Pedro Ekman é integrante da Coordenação Executiva do Intervozes.

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